Rádios de reconhecimento nacional encontrariam terreno fértil para crescer com o DRM
- Ricardo Gurgel

- 22 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: 25 de jul.
Usarei o Brasil como exemplo, mas esse tipo de situação certamente será encontrado em outros países também, especialmente, aqueles com grande extensão territorial, onde surgem grandes marcas do rádio que demandam cobertura. As comparações e cenários apresentados neste texto tornarão fácil a compreensão.
A lendária rádio Globo 1.220 AM
Lembro muito bem da época em que, à noite, a Rádio Globo do Rio de Janeiro podia ser ouvida em Natal, no Rio Grande do Norte, a milhares de quilômetros de seu transmissor. E não só em Natal: diversas capitais do Norte e Nordeste sintonizavam a "turma da maré mansa", a vinheta “O Globo no ar” e as transmissões dos jogos do Flamengo. Não por acaso, a torcida do Flamengo se nacionalizou, muito por conta da “catequização” da audiência feita por essa rádio.
Chegaram as FMs
Com o tempo, chegaram as FMs. Mas, ao menos num primeiro momento, isso não representou uma queda de audiência para rádios como a Bandeirantes, Jovem Pan e Tupi. As FMs estavam absolutamente focadas em música, deixando para as AMs o papel de emissoras de esportes e notícias.
Tempestade eletromagnética doméstica
Ano após ano, com a imensa difusão de equipamentos eletrônicos, a chegada das lâmpadas fluorescentes e de inúmeras novas fontes de ondas eletromagnéticas invadindo os lares, o AM passou a enfrentar barreiras para entregar seu sinal com qualidade. Meu pai, por exemplo, tinha rádios que, quando ligados na tomada, só captavam bem as FMs. Para ouvir os jogos pelas AMs, era preciso recorrer ao bom e velho radinho de pilha, desligado da tomada, para não ser tomado pelos ruídos. E essa dificuldade não se limitava ao interior das casas: à medida que as redes elétricas se adensavam, o sinal AM travava uma luta pela sobrevivência.
Novos tempos
A Rádio Globo deixou de transmitir em AM, migrou para o FM e alterou boa parte de sua programação para se adaptar ao que considerava mais compatível com o perfil da nova faixa. Deixou de lado o sinal de longo alcance, e no streaming, definitivamente, já não é mais a mesma Rádio Globo dos 1.220 kHz.
Tupi, Globo, Jovem Pan, Bandeirantes e outras gigantes
Até pouco tempo atrás, meu pai ainda me pedia para salvar o link de streaming da Rádio Tupi no celular dele. Nunca se sentiu à vontade com os aplicativos de rádio, e eu sempre colocava a transmissão para ele ouvir por horas. A Tupi hoje carrega boa parte daquela legião de ouvintes que antes acompanhavam o futebol carioca pela Rádio Globo. Conquistou a fidelidade desse público em diversos estados do Brasil. Seu perfil é semelhante ao da antiga Globo e ela figura entre as emissoras mais buscadas na internet, ao lado de nomes como Antena 1, Bandeirantes, Jovem Pan e Itatiaia. São marcas com reconhecimento nacional e forte demanda por streaming. Mas o DRM poderia representar uma verdadeira revolução de audiência para essas emissoras, que ainda têm bases de ouvintes dispersas por todo o país.
Com sintonia mais fácil e qualidade de áudio superior, muitas dessas rádios poderiam investir em instalações robustas de transmissão em ondas curtas, garantindo presença no dial dos ouvintes a qualquer hora do dia. Outras, com foco mais regional, talvez encontrem melhor encaixe com o DRM no AM. Um exemplo é a Rádio Clube de Recife em sua antiga versão AM, bem conhecida pelos ouvintes de Natal, João Pessoa, Maceió e boa parte do Nordeste. Era o verdadeiro “canhão do Nordeste”, com alcance massivo. A Itatiaia, por exemplo, também poderia adotar o DRM no AM para alcançar torcedores além das fronteiras de Minas Gerais, um estado que, vale lembrar, tem dimensões equivalentes às da França. Há ainda as emissoras amazônicas, que precisam vencer distâncias colossais. Numa região com menor dinamismo econômico, um sistema mais eficiente e de baixo custo como o DRM faria enorme diferença.
Revolução do DRM
Não é difícil perceber, já de início, o potencial de audiência que o DRM traria para rádios como Tupi, Bandeirantes, Globo e Record, entre outras tantas que teriam grande demanda regional. A digitalização é um processo necessário para enfrentar as inúmeras distrações midiáticas que fizeram o AM recuar e que em breve também afetarão as FMs. Os inúmeros serviços e funcionalidades do DRM, aliados à qualidade de áudio e cobertura, compõem um pacote robusto, cuja implantação não pode mais ser adiada.
Seria como voltar no tempo em que se ouvia as rádios AM de Recife até durante o dia em Natal e, à noite, era possível captar emissoras de todo o Brasil. Mas agora com uma qualidade comparável à do FM. Uma diversidade que hoje parece impossível, mas que o DRM pode tornar realidade com facilidade.
Outras rádios poderiam ir ainda mais longe, adotando transmissões em ondas curtas com programações ousadas distantes do que temos no atual modelo analógico. Pode parecer difícil conceber uma rádio a mil quilômetros de distância com som limpo sendo captada num receptor DRM. Mas tudo isso é perfeitamente possível.
Vamos simular
Vamos visualizar algumas possibilidades. Abaixo da imagem, apresento uma idealização do alcance estimado em diferentes modalidades de transmissão: FM, DRM em AM (durante o dia) e DRM em AM (à noite).
Tomemos como exemplo a Rádio Tupi, com sede no Rio de Janeiro:
O anel de cobertura em amarelo representa, de forma ilustrativa, o alcance da Tupi em FM.
O anel em ciano (um tom claro de azul) indica o alcance da Tupi em DRM na faixa AM, durante o dia.
O anel em vermelho representa o alcance da Tupi em DRM na faixa AM, durante a noite.

O alcance de cada uma dessas modalidades depende de diversos fatores técnicos e ambientais, mas, para fins didáticos, a imagem propõe uma estimativa plausível de cobertura. Embora tenhamos usado a Rádio Tupi como exemplo, a mesma lógica pode ser aplicada a outras emissoras que já tiveram grande alcance nacional na faixa AM, como a Rádio Globo.
Há ainda outra possibilidade de alcance ampliado durante o dia: o uso do DRM em ondas curtas, que pode se tornar uma alternativa viável para essas emissoras que ainda possuem uma base nacional de ouvintes “em espera”, aguardando por novas transmissões.
O DRM em ondas curtas surge como uma ferramenta efetiva para atingir a população brasileira em larga escala, tanto de dia quanto à noite. A possibilidade de cobertura nacional também no período diurno abre um novo horizonte comercial para rádios com estrutura jornalística e esportiva, permitindo que sejam ouvidas no horário nobre do rádio sem as limitações tradicionais de cobertura.
Uma Audiência Já Formada
Estamos falando de um estoque de ouvintes pronto, ansioso por utilizar todo tipo de plataforma para ouvir suas emissoras favoritas. A possibilidade de voltar ao AM, agora com uma nova cara e repleto de funcionalidades tecnológicas fáceis de usar, que eliminam problemas como ruído, chiado e perda de sinal, seria uma combinação extremamente atrativa. E se a nostalgia bater forte, até um botão para simular chiado, estática ou outros efeitos retrô poderia ser adicionado, só por apego emocional.
O espírito do AM
Ainda existem rádios que preservam muito do antigo formato AM, mesmo operando atualmente no FM, e são justamente essas que têm maior potencial para recuperar terreno. Entre as regionais que conseguem grande projeção além de suas praças está a Rádio Jornal do Recife, que conta com uma admirável legião de ouvintes. O mesmo vale para rádios temáticas, com números expressivos, como a Rádio Evangelizar ou a Novas de Paz.
Com o DRM, os horizontes se ampliam. Muitas das limitações atuais simplesmente deixariam de existir. Cada emissora poderia decifrar, à sua maneira, o potencial da nova banda, num processo de descoberta e criatividade que talvez surpreendesse até o próprio consórcio DRM.
Integração
Também teríamos, paralelamente ao efeito dessa integração nacional, um fator de integração continental, favorecido pela proximidade de fronteira de outras gigantes de audiência, como a Rádio Gaúcha. Ela poderia ser uma importante fonte de estímulo à adoção do sistema digital na América do Sul, já que sua transmissão partiria do Rio Grande do Sul, estado brasileiro relativamente próximo ao Uruguai, Paraguai e Argentina.
O Nordeste também possui grandes bandeiras no rádio, tanto no segmento musical quanto esportivo, que poderiam ganhar ainda mais protagonismo. Coloco nesse rol a Verdinha, de Fortaleza, que mesmo após migrar para o FM manteve a essência de rádio AM e possui uma base de audiência expressiva. Outras emissoras já foram citadas, como a Rádio Jornal, e quem sabe até o retorno da antiga Rádio Clube com seu perfil clássico de notícias e esportes, características da sua versão anterior em AM.
Emissoras do Maranhão, por exemplo, poderiam finalmente se aproximar do restante do Nordeste. Enfim, são muitos os possíveis redesenhos. E não vai demorar para que até as rádios atualmente em FM também tenham que passar por novas adaptações. A digitalização é o salto necessário, e já coloca a banda AM em certa vantagem diante dos desafios que a faixa FM ainda enfrentará.












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