O “buraco” que os gigantes ignoraram: como a Embraer conquistou o mercado regional com os E-Jets
- Ricardo Gurgel

- há 7 horas
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Atenção nesses pontos:
Boeing e Airbus focaram em aviões de 150+ assentos e deixaram um espaço de US$ 11–13 bi/ano.
A Embraer desenhou, do zero, uma família para 70–146 assentos (E170/175/190/195).
Operar em pistas de ~5.000 ft abriu centenas de aeroportos e rotas “finas”.
Nos EUA, as scope clauses (76 assentos/86.000 lb) criaram um fosso regulatório que favoreceu o E175.
O futuro depende de negociações trabalhistas e da pausa do E175-E2.
1) Oportunidade invisível
Nos anos 1990, Boeing e Airbus correram atrás de aviões cada vez maiores. Ao mirar hubs e economias de escala, deixaram sem solução o intervalo entre 70 e 150 assentos, um nicho bilionário, com demanda reprimida em aeroportos regionais de pistas curtas e fluxo de passageiros mais baixo.
2) Origem e virada da Embraer
Criada em 1969, em São José dos Campos, a Embraer formou reputação com aeronaves robustas (Bandeirante e EMB-120). A privatização em 1994 liberou a empresa para assumir riscos, atrair talentos e buscar um posicionamento global que os gigantes não perseguiam.
3) Nasce a família E-Jet
Em 1999, a engenharia da Embraer partiu de uma pergunta simples: “o que as regionais precisam?”. A resposta virou quatro modelos projetados de forma purpose-built para 70–146 assentos: E170/175 (faixa inferior) e E190/195 (faixa superior).
4) Decisão de projeto que mudou o jogo
A capacidade de operar em pistas de ~5.000 ft desbloqueou aeroportos vetados a 737/A320 (que costumam exigir ~7.000 ft). Resultado: cidades “abandonadas” puderam voltar às malhas com voos economicamente viáveis.
5) A matemática da rota: right-sizing que fecha a conta
Com E-Jets, o break-even pode cair para 60–70% de ocupação (ex.: E175 com 76 assentos fecha a conta com ~45–53 passageiros). Em trechos de ~500 milhas, o consumo é significativamente menor que o de narrowbodies maiores — somando economia em taxas, tripulação e manutenção.
6) Experiência do passageiro que fideliza
Cabine 2-2 (sem assento do meio), janelas maiores, bins que acomodam carry-on e ruído reduzido aproximam a sensação de “mainline”. Pesquisas de companhias aéreas consistentemente apontam E175/E190 como preferidos em conforto no segmento.
7) Vantagem de custo e confiabilidade
Cadeia de suprimentos integrada e flexível, aprendida em crises brasileiras, ajudou a Embraer a manter linhas, peças e suporte técnico global. Confiabilidade operacional acima de 99% em climas e altitudes desafiadores alimentou reorders e “grudou” operadores à frota.
8) O tabuleiro mexe: Bombardier, Airbus e Boeing
A disputa de 2017–2018 (que envolveu queixa dos EUA, queda de tarifas e a entrada da Airbus no C-Series/A220) elevou a competição. A tentativa de joint venture Boeing-Embraer (2018) acabou desfeita em 2020, mantendo a Embraer independente.
9) O fosso regulatório nos EUA
Contratos com sindicatos de pilotos limitam regionais a 76 assentos e 86.000 lb. O E175 foi afinado para 85.517 lb e 76 assentos — ajuste cirúrgico que criou uma barreira regulatória para rivais. O modelo responde por mais de 70% dos voos regionais nos EUA.
10) Riscos à frente
Nos EUA, o E175-E2 está pausado por não atender ao limite de peso das scope clauses. Se as regras mudarem, o “fosso” pode desaparecer rapidamente. A liderança dependerá menos de engenharia e mais de regulação e economia das cias.
A Embraer venceu ao oferecer “o tamanho certo, na hora certa”. Enquanto os gigantes olhavam para cima, a brasileira enxergou valor onde importava: aeroportos esquecidos, rotas finas e finanças realistas. O legado dos E-Jets prova que estratégia e execução podem derrubar hierarquias na aviação.
Caixa de dados (para destaque no post)
Faixa de assentos alvo: 70–146
Pista mínima (referência): ~5.000 ft
EUA – limite sindical: 76 assentos / 86.000 lb
Participação nos EUA (≈2023): 70%+ dos voos regionais com E175
Novas fronteiras: as vitórias globais da Embraer
1) Expansão comercial em mercados-chave
Em 2025, a Embraer registrou um backlog (pedidos firmes) que alcançou US$ 15,2 bilhões apenas para a divisão de Aviação Comercial, um recorde de nove anos. Exemplos concretos:
A companhia assinou com o LATAM Airlines Group a compra de 24 aeronaves firmes da família E195-E2, com opção para até mais 50 unidades.
A empresa também obteve pedido da TrueNoord (leasing/gerenciamento de aeronaves) para 20 E195-E2, com opção de mais 30 unidades. Esses contratos ilustram claramente como a Embraer já não está restrita ao “nicho regional” brasileiro ou latino-americano: o alcance global se expande.
2) Europa: entrada estratégica e diversificação de portfólio
A Europa torna-se um palco cada vez mais relevante para a Embraer. Algumas conquistas:
A divisão de Defesa & Segurança vendeu aeronaves ao mercado europeu, como o Embraer C‑390 Millennium (ex-KC-390) para países da OTAN e do continente.
A Embraer está estudando a instalação de uma linha final de montagem para o C-390 na Polónia, o que ajudaria a consolidar presença industrial no continente.
A entrada no mercado escandinavo comercial: por exemplo, a Embraer conquistou um cliente relevante para a família E-Jets na região.Tudo isso aponta para um movimento que vai além da simples venda de aviões: trata-se de industrialização, suporte pós-venda e uma presença “local” em escala global.
3) Diversificação além dos jatos comerciais regionais
Enquanto o foco inicial da Embraer era os jatos regionais de 70-150 assentos, a empresa já atua também em:
Aviação executiva (jatos “biz”) com forte crescimento.
Defesa & Segurança, com o C-390 e outras plataformas, ampliando seu portfólio para transporte militar, logística, reabastecimento aéreo, etc.
Serviços e suporte, cadeia de manutenção e atendimento global — segmento de backlog que alcançou US$ 4,9 bilhões em 3Q25. Essa diversificação permite à Embraer não depender exclusivamente de um segmento (como jatos regionais), tornando-se mais resiliente.
4) Impactos para o Brasil e para o mercado global
Para o Brasil: a Embraer torna-se um “campeão” de exportação brasileira, com tecnologia de ponta e presença internacional consolidada.
Para o setor global: o fato de uma empresa “fora” do círculo dos gigantes (Boeing/Airbus) crescer agressivamente força o reposicionamento das estratégias industriais e de mercado.
A logística global, os fornecedores, a manutenção e o pós-venda são todos afetados: países que adquirem Embraer passam a depender de uma cadeia global com presença brasileira + localizações espalhadas.
5) Potenciais riscos e variáveis de mercado
Apesar dos bons resultados, algumas variáveis merecem atenção:
A capacidade de manter ritmo de entregas (exemplos: 62 aeronaves entregues no 3º trimestre de 2025).
Concorrência acirrada: outros fabricantes menores ou novas tecnologias podem entrar.
Riscos geopolíticos ou de câmbio, pois a cadeia global exige suporte local e eficiência logística.
Na defesa: contratos governamentais são complexos, longos e dependem de decisões políticas. Se essas variáveis forem bem administradas, a Embraer pode consolidar essa expansão.
A Embraer já não é mais apenas “aquela brasileira que fez jatos regionais”. Ela transita, com êxito, por mercados múltiplos — comerciais, executivos, defesa — e por geografias amplas: América Latina, América do Norte, Europa e outros continentes. A chave para essa conquista tem sido identificar lacunas de mercado, oferecer soluções adaptadas, e industrializar globalmente. Para seu artigo, este panorama complementa a narrativa de “tamanho certo na hora certa” com a de “expansão global no momento certo”.
Fontes primárias e institucionais
Embraer S.A. – Investor & Media Center (oficial)
“Embraer reports firm order backlog of US$ 15.2 billion in Q3 2025.”
Disponível em: https://www.embraer.com/media-center/en/?detail=22618&mediatype=NEWS
Fonte oficial da Embraer, contendo dados de backlog, entregas e carteira de serviços.
Embraer – Press Release: “Services & Support backlog reaches US$ 4.9 billion” (2025)
Inclui dados de desempenho por divisão e expansão global de suporte técnico.
Embraer – Global Deliveries Data (2025)
Relatórios trimestrais com números de entregas (ex.: 62 aeronaves no 3º trimestre de 2025).
Fontes jornalísticas e financeiras
Reuters (2025)
“Planemaker Embraer delivers 62 jets in Q3, up 5% from year earlier.”→ https://www.reuters.com/business/aerospace-defense/planemaker-embraer-delivers-62-jets-q3-up-5-year-earlier-2025-10-02/
“Embraer to sell 20 commercial jets to TrueNoord, with option for 30 more.”→ https://www.reuters.com/business/aerospace-defense/brazils-embraer-will-sell-20-commercial-jets-truenoord-2025-10-14/
“Embraer eyes potential KC-390 final assembly line in Poland.”→ https://www.reuters.com/business/aerospace-defense/embraer-eyes-potential-kc-390-final-assembly-line-poland-2025-03-11/
Nasdaq.com (2025)
“Embraer wins deal with LATAM Airlines to supply 24 + 50 optional E195-E2 jets.”→ https://www.nasdaq.com/articles/embraer-wins-deal-latam-airlines-supply-74-e195-e2-jets
Axios (2025)
“Embraer KC-390 gains traction with European and U.S. procurement programs.”→ https://www.axios.com/2025/06/25/embraer-kc390-paris-purchases-pentagon
IBA Aero (2025)
“Embraer scores SAS win after LOT defection to Airbus.”→ https://www.iba.aero/resources/articles/embraer-scores-sas-win-after-lot-defection-to-airbus
AirInsight (2025)
“Embraer hits record Q2, faces E175 market headwinds.”→ https://airinsight.com/embraer-hits-record-q2-faces-e175-market-headwinds/
Fontes complementares e institucionais
Wikipedia (Embraer C-390 Millennium, atualizado 2025)
Dados técnicos, operadores e contratos europeus.→ https://en.wikipedia.org/wiki/Embraer_C-390_Millennium
Forecast International / FlightPlan (2025)
“Embraer Commercial Aircraft Deliveries Forecast 2025.”→ https://flightplan.forecastinternational.com
Airport Technology & Airport Spotting (2023–2025)
Imagens e reportagens sobre o E195-E2 (Luxair, SAS, KLM Cityhopper).→ https://www.airport-technology.com→ https://www.airportspotting.com
EDR Magazine (2023)
“Czech Air Force receives first Embraer C-390 Millennium.”→ https://www.edrmagazine.eu












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