O Brasil já tem a faixa AM pronta para transmissões digitais em DRM
- Ricardo Gurgel

- 14 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: 25 de jul.
A faixa AM no Brasil está praticamente zerada de emissoras em operação, resultado do bem-sucedido processo de migração para o FM. Esse cenário oferece uma oportunidade histórica: reutilizar toda a banda AM com transmissões exclusivamente digitais no padrão DRM (Digital Radio Mondiale).
Diferente de outras épocas, em que havia resistência à implantação do rádio digital devido à necessidade de substituição de muitos equipamentos pelas emissoras, hoje o cenário é outro: temos uma banda desabitada, pedindo vida, clamando por algo que a coloque em condições reais de concorrer com a faixa FM. E apenas o caminho da transmissão digital torna isso viável.
Em vez de debates estéreis e paralisantes sobre a digitalização, o que temos agora é uma banda que clama por ela, que pede urgência e sabe que só assim a vida voltará a habitar as ondas médias no Brasil.
Esse novo uso é tecnologicamente mais viável, econômico e eficiente do que as antigas tentativas com transmissões híbridas, que misturavam sinais analógicos e digitais em uma faixa estreita, gerando instabilidade e interferências. Com o DRM em modo totalmente digital, as emissoras podem oferecer qualidade sonora estéreo, estabilidade de recepção e robustez, tornando-se novamente competitivas com o FM, porém com a vantagem do alcance ampliado, característica tradicional da banda AM.
Eficiência espectral e energética do DRM
Cobre grandes distâncias com menor consumo de energia.
Permite transmitir múltiplos serviços (áudio, texto, dados) em apenas 9 kHz na faixa AM ou 100 kHz no FM.
A mágica da banda AM livre no Brasil
Com a migração massiva das rádios AM para o FM, o Brasil expandiu a faixa FM de 87,5–108 MHz para 76,1–108 MHz, ocupando os antigos canais 5 e 6 da TV. Essa ampliação foi estratégica, mas também abriu espaço para pensar no reaproveitamento da banda AM com outro propósito: o rádio digital.
A migração foi uma solução lógica. Em muitas cidades, rádios AM enfrentavam dificuldades de recepção dentro de casas, prédios, shoppings e até mesmo em veículos — onde interferências eletromagnéticas de redes elétricas e eletrônicos tornavam o sinal quase inaudível. Enquanto isso, suas concorrentes em FM apresentavam som limpo e estável.
Além disso, o rádio passou a disputar audiência com plataformas como Spotify, YouTube e serviços de streaming, além de perder parte da verba publicitária para redes sociais como Instagram e Facebook. O AM sofreu mais do que o FM, e a migração para o FM foi a salvação de muitas. Um bom exemplo é a CBN Natal, que ganhou fôlego financeiro e audiência ao passar para o dial FM.
O que garante o sucesso do DRM
Para que o DRM avance com sucesso no Brasil, é fundamental que as transmissões ocorram em modo exclusivamente digital, sem recorrer ao formato híbrido.
A banda AM, hoje desocupada e tecnicamente ideal para o digital, não pode regredir ao modelo que justamente levou suas emissoras a migrarem para o FM. Retomar o analógico seria ineficiente, oneroso e comercialmente irrelevante.
Vantagens específicas do DRM para o Brasil
Revitaliza o AM, com som estéreo, limpo e estável.
Aproveita as torres e frequências existentes, com custo reduzido de implementação.
Ideal para áreas remotas, como regiões Norte e Centro-Oeste.
Oferece suporte a dados, úteis em situações de emergência e educação a distância.
Funções avançadas do DRM
Exibição de texto dinâmico (música, locutor, notícias em tempo real).
Transmissão de dados úteis, como previsão do tempo e alertas.
Capacidade de enviar imagens simples, mapas, guias de programação e até sinais de localização (GPS).
Padrão internacional aberto
Sistema não proprietário, diferente do HD Radio, que é licenciado e restrito.
Já adotado ou em testes em países como Índia, Rússia, Indonésia, Brasil, África do Sul, entre outros.
Por que faço esse alerta
Sou Ricardo Gurgel, engenheiro com experiência técnica em grandes emissoras de FM no Rio Grande do Norte, além de consultor para pequenas rádios da região. Há mais de uma década, observo as tentativas de digitalização do rádio no Brasil. Já naquela época, alertava sobre os problemas do sistema HD Radio, especialmente em seu modo híbrido.
Vi com clareza que aquele modelo não avançaria, e os fatos confirmaram. O HD Radio nunca emplacou no país. Mesmo os testes realizados, concentrados principalmente em São Paulo, mostraram resultados insatisfatórios.
Visualizando

A simulação acima mostra de forma simplificada como o sinal DRM digital tende a manter uma qualidade útil por distâncias maiores em comparação ao AM analógico com a mesma potência de transmissão (10 kW). gráfico feito com os resultados médios de diversas publicações, mas que o rigor gráfico, aqui busco mostrar a visualização do potencial.
Interpretação:
A linha pontilhada cinza indica o limite de recepção razoável (por exemplo, o ponto onde o sinal analógico começa a ficar com ruídos e o DRM começa a ter falhas de decodificação).
O AM analógico perde qualidade mais rapidamente com a distância, ficando ruidoso.
O DRM digital, por sua eficiência, mantém o sinal útil por mais tempo, embora com uma “queda abrupta” ao sair da faixa de recepção, característica comum dos sinais digitais.
O foco é quem ouve, não os burocratas
O ponto-chave para a popularização de qualquer sistema digital não está nos seus argumentos técnicos, mas na forma como ele entrega, quase magicamente, um som excelente, com facilidade de aquisição e uso. Tudo isso deve ser impulsionado por um diferencial que vá além da experiência de simplesmente ouvir rádio, deve ser uma experiência de ouvir um som apaixonante.
Não vejo qualquer vantagem na introdução de um sistema híbrido no AM brasileiro. O áudio analógico não atrai mais a população. O receptor DRM ideal para o Brasil seria um equipamento que opere exclusivamente em modo digital e que ofereça um design menos vintage e mais moderno, com apelo jovem. Precisa ter excelentes alto-falantes, não adianta um grande sistema com som pobre.
Pessoalmente, gosto de ver duas saídas de áudio, à direita e à esquerda. Não confio em equipamentos com um único alto-falante! E uma coisa é certa: o brasileiro gosta de som pulsante. Do mais simples ao mais extravagante, o que conquista o brasileiro é a qualidade do som.
A digitalização do rádio ainda caminha lentamente porque se tenta antes convencer os burocratas. Mas quem realmente precisa ser conquistado é o povo.
Atenção
Temos diante de nós uma banda totalmente livre, pronta para receber novas emissoras já nascidas digitais, sem herança de processos analógicos. A chance de fazer certo desde o início é real.
O Brasil tem potencial continental para liderar a implantação do DRM não apenas internamente, mas como referência para toda a América Latina e outros países em desenvolvimento. Essa virada não é apenas de natureza comunicacional: envolve tecnologia, indústria nacional, inovação e desenvolvimento econômico.
Se bem conduzido, o rádio digital em DRM pode transformar realidades locais, fortalecer a radiodifusão regional e reposicionar o Brasil como protagonista global em comunicação digital.
E sobre no futuro as possiblidades com o FM?

Neste gráfico comparamos a cobertura do FM analógico com o DRM+ (FM digital), considerando uma torre urbana típica:
Interpretação:
A linha FM analógico (tracejada) mostra que o sinal perde qualidade rapidamente com a distância, devido à sensibilidade a obstáculos, prédios e relevo.
O DRM+, por ser digital e ter correção de erros integrada, resiste melhor aos mesmos obstáculos, mantendo qualidade até mais longe antes de cair abruptamente.
A linha cinza indica um limite razoável de recepção, onde o som no FM começa a apresentar chiado e o DRM pode perder decodificação.
Observações práticas:
Em áreas urbanas com muita interferência, o DRM+ se sai melhor em manter a qualidade constante.
O FM analógico pode ser "audível" mesmo com sinal fraco, mas com ruído, enquanto o DRM funciona perfeitamente até certo ponto, depois corta completamente.
O uso de DRM+ em FM permite ainda transmitir múltiplos programas no mesmo canal, algo impossível no FM convencional.
Nas mãos
O Brasil tem hoje nas mãos uma oportunidade única: transformar uma faixa do espectro, que por décadas foi sinônimo de ruídos e limitações técnicas, em um ambiente moderno, digital, acessível e estratégico para o futuro do rádio.
Não se trata apenas de uma melhoria técnica, mas de uma decisão de política pública, de fomento à indústria tecnológica nacional e de inclusão comunicacional. Ao adotar o DRM como solução plena e exclusiva para a faixa AM, o país pode reposicionar o rádio como ferramenta de conexão, cidadania e desenvolvimento regional, especialmente onde o FM e a internet não chegam com qualidade.
Que este espaço vago na faixa AM não seja desperdiçado com soluções híbridas ineficientes ou projetos tímidos. É hora de pensar grande, planejar bem e agir com visão de futuro. O rádio digital é uma realidade consolidada em várias partes do mundo e o Brasil, com seu alcance continental e seu histórico de inovação em radiodifusão, tem tudo para liderar esse movimento nas Américas.












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