Se os institutos de pesquisa pagos pela TV aberta mostrassem que ela tem menos audiência que o YouTube, não perderiam seus contratantes?
- Ricardo Gurgel

- 24 de set.
- 3 min de leitura
Um dos tipos mais falhos de pesquisa na mídia é o realizado por meio de entrevistas. Trata-se de levantamentos baseados em um input absolutamente frágil: a lembrança humana. Em contrapartida, aquelas que avaliam o comportamento por meios eletrônicos oferecem resultados muito mais consistentes, pois não dependem da sensação ou memória do entrevistado, mas sim da realidade registrada.
As chamadas pesquisas em modelos de “stalkers” de comportamento, em que os dados são coletados por observação contínua de grupos, quase como um “olho do BBB” sobre pessoas, conseguem medir de forma objetiva o uso de tempo e atenção. Nessas análises, fica evidente que as horas dedicadas ao smartphone, ao YouTube no celular e a outros serviços de streaming superam, de longe, o consumo da TV aberta.
Além disso, admitir que a TV aberta é menos relevante seria um verdadeiro veneno para os institutos de pesquisa financiados justamente por ela. Há um conflito de interesses evidente nesse ponto. Não por acaso, quando surgiu a possibilidade de incluir o YouTube nos levantamentos, houve forte pressão da gigante da televisão sobre o igualmente gigante instituto de pesquisas. A simples inclusão dessa métrica traria complicações, pois revelaria à população a real força do YouTube.
Você já parou para pensar que as pessoas coladas aos seus smartphones, no trabalho, no lazer, nos intervalos das aulas, muito provavelmente estão assistindo a algum vídeo neste exato momento, a poucos metros de você? Tem mesmo certeza de que há mais gente ao seu redor vendo TV aberta do que consumindo TikTok, Instagram ou YouTube?
Faça o teste: entre em uma sala de aula, em um barzinho ou em um restaurante. Observe as pessoas a até cinco metros de distância. Quantas estarão assistindo vídeos em seus smartphones e quantas estarão de frente para uma TV convencional?
Agora olhe para você: quando chega em casa, ou até mesmo no caminho antes de chegar, qual tela ocupa mais horas do seu dia, a do celular ou a da televisão? Vale a pena fazer essa conta. E quando todos fizerem esse cálculo, perceberão que passam muito mais tempo diante do smartphone do que da TV. Esse é um ponto crucial: se a realidade mostra isso, como ainda confiar nessas enxurradas de pesquisas que insistem em afirmar que a TV aberta continua sendo, com larga vantagem, a líder de nossa atenção?
Condensando nossas considerações, temos 4 eixos principais:
1. O descompasso entre percepção e realidade
As pesquisas tradicionais de audiência, sobretudo as encomendadas por grandes players da TV aberta, frequentemente medem hábitos de consumo a partir de entrevistas e recordações. O problema é que isso se baseia na memória e na autoimagem do entrevistado, não em dados objetivos. Na prática, quando as pessoas param para refletir sobre o seu próprio dia, percebem que passam muito mais tempo diante do celular do que da TV. É um choque de percepção: a sensação de "ainda assisto muita TV" não corresponde ao tempo real gasto.
2. O conflito de interesse
Reconhecer essa mudança não interessa à própria indústria televisiva nem aos institutos que dependem dela. Se pesquisas oficiais começassem a evidenciar que TikTok, YouTube e Instagram ocupam mais horas de tela que a TV, isso rebaixaria o poder de negociação da TV com anunciantes. Portanto, há uma clara motivação econômica para manter a narrativa da TV como "líder isolada" da atenção do público.
3. O critério da atenção qualificada
Mesmo que a TV aberta ainda alcance grandes massas em determinados momentos (novelas, telejornais, eventos esportivos), a atenção dada a ela não é tão "engajada" quanto a do celular. O smartphone concentra escolhas ativas: a pessoa clica, interage, comenta, compartilha. Já a TV, muitas vezes, é um consumo passivo, ligado como "som e imagem de fundo". Ou seja, não basta medir quem "tem a TV ligada", é preciso medir o quanto isso realmente captura e prende a atenção.
4. A virada geracional
Se pedirmos a adolescentes e jovens adultos que façam esse mesmo cálculo, a TV praticamente desaparece do gráfico de horas. Isso mostra que a mudança não é apenas momentânea: ela é estrutural e geracional. Estamos falando de um deslocamento definitivo da centralidade da mídia, algo que talvez seja irreversível.











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