Somente o tesão capitalista pode fazer o rádio digital prosperar
- Ricardo Gurgel

- 29 de ago.
- 9 min de leitura
Não há a mínima chance de que a humanidade se una em um abraço fraterno e em oração para defender o rádio digital. Ele não é uma ONG, não é uma religião que busca salvar almas, tampouco um simples instrumento de políticas públicas. O rádio digital é, e não há como negar, um ecossistema de emissoras de radiodifusão, e necessariamente exige saúde financeira para ter a mínima razão de existir. E não há nada de errado com isso: é uma condição primeira de existência, ser viável para a indústria base de todo o processo de digitalização, viável para as emissoras que trocarão de tecnologia e, acima de tudo, deve ser atraente para a população, para que ela o consuma.
O ambiente do rádio não se trata de meditação espiritual, ou pelo menos não exclusivamente, mas acima de tudo, o rádio precisa de um motor para manter seu oxigênio: um motor movido à sustentabilidade econômica. Por menos romântica que essa conclusão possa parecer, ela é realista: ignorá-la é condenar-se a um projeto natimorto. Ser viável em seus modelos de negócio é o único caminho para permitir que uma diversidade de emissoras e conteúdos floresça, capaz de atender às necessidades da sociedade por informação, cultura e integração. Sim, um ambiente próspero para o rádio digital em todas as frentes é o que garantirá pluralidade e democracia de pensamento, a variedade de opções e a certeza de que encontrarei o formato que desejo ao girar o dial.
Os padrões devem mirar a capilaridade, e isso não é algo que avançará apenas pela boa vontade. É necessário criar incentivos para que agentes capazes de difundir ideias e debates, e de pressionar constantemente o governo a considerar a digitalização do rádio, possam atuar em um ambiente com respaldo financeiro que permita uma penetração realista em diversas frentes. O ponto de partida é manter muitas pessoas capazes de estar presentes nos momentos decisivos da definição do rádio, que tenham proximidade com os debates técnicos e restritos junto a setores representativos do país, e ao mesmo tempo, essas mesmas pessoas devem manter contato com a população e difundir o conhecimento sobre a revolução do rádio digital.
Os promotores do rádio digital devem ser combativos e não permitir que debates decisivos, como consultas públicas e discussões no Congresso, tornem-se esvaziados, onde poucos podem simplesmente engavetar qualquer avanço sob o pretexto de que o tema não é de interesse público. É preciso criar uma massa crítica para acompanhar esse processo no Brasil. Qual deputado terá o ímpeto de levar adiante um chamado para que o governo federal preste atenção à digitalização do rádio? O próprio governo mostrará pouquíssimo interesse em qualquer movimento para trazer o rádio digital ao Brasil se, toda vez que o tema for levantado, só se encontrarem cadeiras vazias no momento de avançar a transformação.
Para ser muito honesto, os padrões devem garantir que um bom número de pessoas esteja preparado para participar de cada reunião no Ministério das Comunicações, de cada debate no Congresso e de cada outra audiência pública envolvendo rádio digital. Cinquenta pessoas acompanhando constantemente qualquer desenvolvimento do tema no Brasil e presentes a qualquer chamado em Brasília, isso, de fato, atrairia a atenção necessária para gerar mudança em nosso cenário. E sim, as pessoas deveriam estar naturalmente interessadas, mas também precisam ser reconhecidas pelos padrões como agentes ativos, trabalhando para que as vozes de fabricantes, varejistas e todos os potenciais interessados no novo rádio digital sejam representadas. Estas devem ser pessoas preparadas e com apoio financeiro, que impeçam a morte do debate sobre o rádio digital.
A viabilidade econômica responde a todas as aspirações. Um ciclo econômico pleno e vigoroso cria terreno fértil para formatos variados, para entusiastas, especialistas e até mesmo para atrair o grande público que vem se distanciando do rádio. O meio precisa voltar a brilhar aos olhos daqueles que querem “vencer na vida”. E vencer, nesse sentido, também significa ter no rádio digital um espaço profissional atraente e competitivo.
É hora de parar de acreditar que sonhadores sozinhos mudarão o mundo. Eles precisam que o mundo sonhe com eles. E, no fim das contas, o mundo se move por incentivos.
É a audiência que legitima o valor do rádio, garantindo a capacidade de vender espaço publicitário, entregar produtos de valor agregado e permitir que as emissoras criem diversos formatos de integração.
Se o rádio digital conquistar o coração dos ouvintes e se tornar economicamente sustentável, toda a indústria prosperará. Ser idealista nesse contexto é uma contradição: significa lutar por um setor que pode gerar bilhões, mas às custas dos esforços dos idealistas. E sim, há pessoas incríveis fazendo um esforço tremendo para levantar a bandeira do rádio digital. Muitos sonham com ele como ferramenta para levar educação à África rural, informação e integração a populações carentes.
Aqui registro meu elogio aos entusiastas indianos. São poucos, mas possuem almas admiráveis. Sempre entusiasmados com a revolução do rádio na Índia, dedicam-se incansavelmente a esse desenvolvimento. Eles não podem ser esquecidos. Contudo, para conquistar mais aliados, é essencial que o rádio digital seduza o motor capitalista.
Não falo em caricatura. Refiro-me à essência do motor que move o mundo: a busca por recompensa, por resultados tangíveis proporcionais ao esforço investido. Os primeiros entrantes nessa empreitada global são os que mais precisam de coragem, pois ainda não sabem o que colherão e, mesmo assim, continuam a ajudar indústrias que muitas vezes nem os reconhecem.
Se a indústria quer mais pessoas trabalhando pelo rádio digital, precisará desenvolver modelos de negócio inclusivos. É necessário atrair jovens em busca de renda, alavancar a sabedoria das gerações mais velhas que podem ser recompensadas e criar um ambiente que não dependa apenas de fãs ou entusiastas.
Os principais beneficiários do rádio digital terão de fornecer incentivos econômicos para reunir mais vozes. Não falo de incentivos vazios, mas de estratégias que realmente seduzam e engajem. O investimento deve ser transformado em fortes retornos tanto para a indústria quanto para os organizadores do sistema.
Isso exige planejamento, capilaridade e diversidade de modelos de negócios, para promotores, vendedores, fabricantes e todos os que integram a cadeia. E, acima de tudo, é essencial que o rádio digital seja mais do que apenas rádio: ele deve abraçar a convergência, pois só assim terá a chance de permanecer grande, reconhecido e relevante.
O rádio digital só terá futuro se surgir de modelos de negócio autossustentáveis, em que os agentes sejam movidos por seus próprios interesses e a convergência desses interesses individuais leve a imensos benefícios comunitários. Só então o ecossistema se tornará vibrante e capaz de prosperar.
Portanto, o rádio digital não pode ser tratado como um projeto de boas intenções ou como uma causa carregada unicamente por idealistas. Ele deve ser um ambiente fértil de estímulos econômicos, capaz de atrair e recompensar todos os que participam da cadeia, das emissoras aos fabricantes, dos anunciantes aos promotores. Somente quando o interesse individual encontrar espaço para prosperar é que o coletivo ganhará força e todo o ecossistema florescerá.
Efetivamente, os padrões devem ir além de seus comitês globais e estabelecer comitês nacionais ampliados. Não estou falando de uma ou duas pessoas por país; refiro-me a um comitê com um número significativo de membros para ser realmente operacional, desenhado como uma empresa com funções e metas para seus funcionários — sim, funcionários —, com incentivos e compromisso para cumprir diversas missões. Essas missões, em conjunto, podem determinar qual padrão digital aquele país adotará, um resultado bilionário, não um assunto trivial, e isso não será alcançado pelo esforço de almas sem incentivos. Antes de tudo, deve operar dentro de uma estrutura corporativa e de um quadro de alto profissionalismo, com residentes no país-alvo. No caso do Brasil, é muito provável que algumas ramificações regionais devam ser consideradas para evitar o mesmo problema ocorrido anos atrás, quando testes foram realizados em áreas restritas do país sem o conhecimento sequer de uma fração mínima do restante da nação e de suas emissoras.
Revitalização
Para reiniciar o debate sobre o rádio digital em países como o Brasil e garantir uma defesa eficaz de padrões como HD Radio, DAB e DRM, os lobbies por trás dessas tecnologias podem adotar várias medidas estratégicas para construir um ecossistema robusto, economicamente incentivado e profissionalizado. Baseando-se na ênfase do texto sobre sustentabilidade econômica, massa crítica e engajamento profissional, seguem estratégias práticas para mobilizar pessoas e reacender a conversa:
1. Estabelecer comitês nacionais bem financiados
Criar estruturas profissionalizadas: Cada padrão (HD Radio, DAB, DRM) deve estabelecer comitês nacionais no Brasil com estrutura semelhante à de uma empresa, como sugerido no texto. Esses comitês devem ter um número significativo de membros (ex.: 50 participantes ativos) com funções definidas, como especialistas técnicos, lobistas, profissionais de relações públicas e coordenadores regionais.
Contratar talentos locais: Empregar residentes no Brasil que compreendam o cenário midiático local, o ambiente regulatório e as nuances culturais. Esses indivíduos devem ser financeiramente remunerados, não voluntários, para garantir compromisso e profissionalismo.
Filiais regionais: Estabelecer escritórios regionais em cidades-chave (ex.: São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Brasília, Recife) para garantir capilaridade nacional. Isso evita o erro passado de restringir testes a áreas limitadas, garantindo maior conscientização e engajamento.
2. Fornecer incentivos econômicos
Apoio financeiro a defensores: Oferecer salários competitivos, bônus ou incentivos baseados em desempenho para atrair jovens profissionais e veteranos experientes da indústria. Isso pode incluir financiamento para viagens a Brasília para reuniões, programas de treinamento ou palestras públicas.
Engajar stakeholders com recompensas: Criar programas de incentivo para emissoras, fabricantes e varejistas que adotem ou promovam o respectivo padrão. Por exemplo, o HD Radio poderia oferecer subsídios para atualização de equipamentos, enquanto o DAB ou DRM poderiam fornecer descontos de licenciamento ou apoio de marketing.
Atrair anunciantes e patrocinadores: Desenvolver modelos de negócio que demonstrem retornos claros sobre o investimento para anunciantes, como acesso a novos segmentos de audiência por meio dos recursos avançados do rádio digital (ex.: múltiplos canais no HD Radio ou serviços de dados no DAB/DRM).
3. Construir massa crítica por meio de advocacy
Organizar campanhas públicas: Lançar campanhas nacionais para educar o público sobre os benefícios do rádio digital (ex.: melhor qualidade de som, mais canais, serviços de dados). Utilizar redes sociais, eventos locais e parcerias com emissoras populares para gerar interesse.
Engajar formuladores de políticas: Garantir presença constante em reuniões do Ministério das Comunicações, debates no Congresso e audiências públicas. Treinar membros dos comitês para articular as vantagens técnicas e econômicas de seus padrões (ex.: compatibilidade do HD Radio com FM/AM, robustez do DAB ou eficiência do DRM para faixas AM).
Mobilizar emissoras: Fazer parcerias com rádios locais para demonstrar os benefícios práticos de cada padrão por meio de projetos-piloto. Por exemplo, o DRM poderia focar em áreas rurais com rádios AM, enquanto o DAB poderia mirar mercados urbanos com alta densidade de ouvintes.
4. Fomentar colaboração e convergência
Colaboração entre padrões: Embora HD Radio, DAB e DRM sejam padrões concorrentes, seus lobbies poderiam colaborar em objetivos comuns, como conquistar apoio governamental ao rádio digital em geral. Uma frente unificada poderia pressionar por políticas como incentivos fiscais para adoção do rádio digital ou alocação de espectro.
Abraçar a convergência: Posicionar o rádio digital como parte de um ecossistema digital mais amplo, integrando-se a aplicativos móveis, plataformas de streaming e dispositivos inteligentes. Por exemplo, os displays visuais do DAB ou as informações de artista no HD Radio poderiam atrair públicos jovens acostumados à mídia digital.
5. Evitar erros do passado
Ampliar testes e conscientização: Diferente de esforços anteriores, garantir que os testes e demonstrações de HD Radio, DAB ou DRM sejam realizados em diversas regiões do Brasil, com resultados amplamente divulgados para emissoras e para o público.
Consultas transparentes: Defender consultas públicas inclusivas, convidando a participação de rádios comunitárias, pequenas emissoras e grupos de consumidores, não apenas os grandes players da indústria.
6. Aproveitar casos de sucesso globais
Apresentar estudos de caso: Destacar implementações bem-sucedidas de cada padrão em outros países. Por exemplo, o HD Radio pode citar sua adoção nos EUA, o DAB na Europa e o DRM na Índia. Esses exemplos podem inspirar confiança nos stakeholders brasileiros.
Aprender com os entusiastas da Índia: Comissões brasileiras poderiam adotar estratégias semelhantes de base, como oficinas comunitárias ou parcerias com universidades, mas com respaldo de recursos profissionais.
7. Garantir apoio político e industrial
Fazer lobby no Congresso: Identificar e engajar parlamentares simpáticos à causa que possam ser porta-vozes do rádio digital. Fornecer dados sobre geração de empregos, impacto econômico e benefícios culturais para tornar o argumento mais convincente.
Parcerias com a indústria: Colaborar com fabricantes (ex.: de receptores) e varejistas para garantir que dispositivos de rádio digital acessíveis estejam disponíveis, enfrentando preocupações de acessibilidade do consumidor.
Exemplo de implementação para o Brasil
Formar uma Força-Tarefa Nacional de Rádio Digital: Cada lobby de padrão (HD Radio, DAB, DRM) poderia financiar uma força-tarefa brasileira com 50 membros, incluindo 10 especialistas técnicos, 10 lobistas, 20 coordenadores regionais e 10 profissionais de relações públicas. Orçamento para salários, viagens e campanhas de marketing.
Projetos-piloto: Lançar pilotos em grandes cidades e áreas rurais, demonstrando as forças únicas de cada padrão (ex.: DRM para longo alcance em AM, DAB para multiplexação urbana, HD Radio para transição suave de FM/AM).
Engajamento público: Realizar assembleias, webinars e festivais de rádio para demonstrar os benefícios do rádio digital, garantindo participação ampla de comunidades diversas.
Ao tratar a defesa do rádio digital como uma empreitada profissional, incentivada e inclusiva, os lobbies de HD Radio, DAB e DRM podem reiniciar o debate no Brasil, construir uma massa crítica e impulsionar a adoção de um ecossistema sustentável de rádio digital.












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