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O que é possível mensurar na chamada “guerra contra o tráfico” no Caribe?

Os indicadores mais recentes relacionados às drogas nos Estados Unidos apontam mudanças relevantes entre 2024 e 2025, ainda que não autorizem a conclusão de uma redução estrutural e definitiva do tráfico. Dados provisórios do CDC indicam que as mortes por overdose diminuíram cerca de 24% no período entre outubro de 2023 e setembro de 2024. Trata-se de uma queda expressiva nas consequências letais do consumo de drogas, especialmente opioides sintéticos, mas que não pode ser automaticamente interpretada como diminuição proporcional do volume total de drogas que chegam ao país. A redução da letalidade pode refletir uma combinação de fatores, como mudanças na potência das substâncias, maior disseminação de antídotos como a naloxona, variações no padrão de consumo e, em alguma medida, alterações no próprio fluxo de oferta.


Paralelamente a esse movimento, o governo dos Estados Unidos intensificou, nos últimos meses, operações militares e de segurança voltadas ao combate ao narcotráfico internacional, com destaque para ações no Caribe e no Pacífico. Essas operações incluíram a interdição e destruição de embarcações suspeitas de transportar drogas, integradas a uma estratégia mais ampla de enfrentamento às redes transnacionais do crime organizado. No plano político e jurídico, a estratégia também passou a envolver a designação de cartéis como organizações terroristas, bem como a ampliação do emprego de meios navais, aéreos e de inteligência, com o objetivo de elevar o custo operacional e o risco percebido pelas organizações criminosas.


As estatísticas de apreensão reforçam a complexidade do quadro. Informações do Departamento de Segurança Interna indicam que, em determinado período, as apreensões de fentanil na fronteira sul dos Estados Unidos caíram cerca de 56% em comparação com o ano anterior. Entre janeiro e setembro de 2025, por exemplo, foram apreendidas aproximadamente 7.517 libras de fentanil, contra cerca de 16.710 libras no mesmo intervalo de 2024, segundo dados consolidados pelo portal USA Facts. Essa redução sugere alterações nos padrões de tráfico, nas rotas utilizadas e nos métodos de contrabando, mas não necessariamente uma retração linear do fluxo total, já que grandes quantidades de drogas continuam a ingressar no país por vias alternativas, com rápida adaptação dos cartéis às novas pressões.


No campo judicial, observa-se um movimento ambíguo. Processos federais por crimes relacionados a drogas atingiram níveis historicamente baixos em 2025, em parte porque recursos e prioridades de algumas agências foram redirecionados para outras áreas, como imigração. Isso pode indicar menor volume de ações judiciais diretas contra traficantes em determinados segmentos. Ao mesmo tempo, casos relevantes continuam sendo processados, com sentenças longas e acusações envolvendo grandes quantidades de fentanil e outras substâncias, o que demonstra que a repressão penal não foi abandonada, mas reorganizada de forma seletiva.

Do ponto de vista da percepção pública, pesquisas indicam que parcela significativa da população norte-americana percebe algum progresso no enfrentamento do problema das drogas. Essa percepção, contudo, varia fortemente conforme o alinhamento político e nem sempre corresponde de forma direta a mudanças objetivas e sustentadas nos níveis de tráfico ou consumo.


A análise integrada desses elementos sugere que há, de fato, sinais de redução em indicadores específicos, como mortes por overdose e certas apreensões na fronteira sul, mas não há evidência clara de um declínio generalizado e duradouro no volume total de drogas traficadas para os Estados Unidos. O que se observa é um cenário de ajustes táticos, mudanças operacionais e reforço seletivo de ações governamentais, sem que se possa afirmar, até o momento, uma transformação estrutural do mercado ilícito.


Nesse contexto, a interdição marítima assume papel central. A destruição de drogas ainda no mar produz um efeito direto imediato: a carga não chega ao mercado consumidor, há perda financeira relevante para as organizações criminosas, quebra-se a previsibilidade logística das rotas e interrompe-se o fluxo de caixa que financia novas operações. Esses resultados são geralmente contabilizados em toneladas apreendidas ou destruídas e costumam ser o dado mais visível divulgado ao público.


Contudo, o impacto mais relevante ocorre no segundo nível, o efeito indireto ou multiplicador. A interdição marítima recorrente eleva o risco percebido pelos operadores do tráfico, aumentando a probabilidade subjetiva de fracasso das operações futuras. Como o narcotráfico opera com cálculo constante de risco e retorno, o aumento do risco leva parte das remessas a simplesmente não serem embarcadas. Além disso, as organizações passam a fragmentar cargas, reduzir a tonelagem por embarcação, adiar envios e buscar rotas mais longas e caras, o que encarece o negócio e reduz sua eficiência. Soma-se a isso um efeito psicológico e organizacional relevante: maior relutância de tripulações, exigência de pagamentos mais altos, aumento da deserção, maior probabilidade de vazamento de informações e conflitos internos nas redes criminosas. Trata-se de um efeito invisível nas estatísticas tradicionais, mas frequentemente mais importante do que a apreensão isolada de uma carga.


Há ainda externalidades estratégicas associadas a esse processo, como o deslocamento de recursos do crime para segurança interna, menor previsibilidade de abastecimento nos mercados finais, maior volatilidade de preços e pressão sobre os elos mais frágeis da cadeia logística, como transportadores e intermediários. Do ponto de vista estatal, mesmo sem eliminar o tráfico, essas ações desorganizam o sistema criminoso.


É necessário, porém, registrar limitações importantes. O efeito multiplicador não é linear nem permanente; os cartéis se adaptam, desenvolvem novas rotas, métodos e tecnologias. Se a interdição não for contínua e visível, o efeito dissuasório tende a se dissipar. Ganhos estratégicos exigem persistência operacional, não ações pontuais.

Ainda assim, do ponto de vista analítico, é plausível atribuir à intensificação da interdição marítima no Caribe um papel central, embora não exclusivo, em reduções da ordem de 40% a 60% em determinados indicadores no curto prazo. O Caribe é estruturalmente sensível por ser um corredor de alta densidade logística, utilizado para grandes carregamentos marítimos, dependente de janelas previsíveis de navegação e fortemente impactado por presença naval, aérea e satelital. Quando a ação estatal é persistente e visível, o impacto tende a ser sistêmico.


Uma redução dessa magnitude não exige que metade das drogas seja fisicamente destruída. Basta que algumas cargas grandes sejam neutralizadas e que a taxa de sucesso percebida caia abruptamente, levando ao cancelamento de embarques já planejados, ao adiamento indefinido de remessas, ao redirecionamento para rotas mais caras e à redução do volume médio por envio. Evidências indiretas que sustentam essa plausibilidade incluem a queda simultânea em apreensões sem aumento compensatório imediato em outras rotas, a redução de indicadores finais como overdoses, relatos oficiais de deslocamento de rotas e a ausência de colapso de preços, sugerindo menor oferta efetiva, e não apenas mudança de método.


Por fim, é importante reconhecer que a ação no Caribe, isoladamente, não explica todo o fenômeno. Fatores concorrentes também atuam, como mudanças químicas nas drogas (maior potência exigindo menor volume), uso crescente de micro-rotas e correios humanos, estoques pré-existentes, alterações regulatórias e de fiscalização em portos legais e ajustes na demanda interna. O quadro, portanto, é o de um mercado sob forte pressão, em adaptação constante, no qual os efeitos mais relevantes não aparecem apenas nas toneladas apreendidas, mas nas cargas que deixam de existir antes mesmo de serem embarcadas.

 
 
 

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