Na Argentina, Mitre 790 AM, rádio pró-mercado e líder de geral, supera amplamente tanto as emissoras AM quanto FM
- Ricardo Gurgel
- há 6 dias
- 10 min de leitura
Preciso ser muito claro sobre uma situação. Em uma comparação com a Fox News, vejo a Fox como um canal trumpista e de forma muito incisiva, enquanto a Rádio Mitre tem uma posição não partidária, ainda que pró-mercado. Muitos se enganam ao pensar que isso implica em um alinhamento automático com políticos de direita, sem perceber que, na verdade, trata-se de uma visão editorial válida, que não tem obrigações com políticos e que realmente se abre a críticas tanto a dirigentes de direita quanto de esquerda.
Sim, políticos que se autodefinem de direita são criticados, sobretudo quando agem contra os princípios de boas práticas no uso do dinheiro público, quando caem em contradições e inflacionam o mercado. É natural que também existam questionamentos a figuras da esquerda que promovem a emissão monetária, mostram certa despreocupação com o gasto público e sustentam uma linha de pensamento cujos resultados o próprio mercado já conhece muito bem.
Poderia resumir dizendo que, na minha visão direta, a maneira como a Mitre faz rádio soa mais honesta, com uma formação muito mais atraente e, em geral, sem paixões que comprometam as análises. Outro ponto que chamo atenção é justamente esse: as análises são constantes ao longo de toda a programação, não ficam restritas a um horário em particular, e eu diria que o nível médio é muito satisfatório.
Posso assegurar que no Brasil não temos uma emissora do nível da Mitre. A maioria das rádios se limita a reproduzir notícias com alguns espaços para análises e, em geral, com forte alinhamento partidário. Claro que existem jornalistas que, por sua qualidade, se tornam valiosos ao superar essa classificação generalizada que acaba marcando o rosto do jornalismo brasileiro, mas, entre tantos, são apenas uma pequeníssima quantidade dentro da corrente majoritária de pensamento uniforme que o Brasil “adotou”.
Domínio arrasador
O domínio da Mitre na faixa de AM é uma exceção em um panorama global onde a AM vem sendo sistematicamente erodida por mudanças técnicas e culturais. Esperar que essa liderança se mantenha intacta por mais uma década é irrealista, não porque a emissora vá decair em qualidade ou abandonar seu estilo já comprovado, mas porque toda fórmula vencedora eventualmente encontra seu espelho na FM. Quando isso ocorrer, um concorrente, possivelmente até mesmo do próprio Grupo Clarín, aproveitará o maior alcance da FM em Buenos Aires para desafiar o bastião da Mitre na amplitude modulada.
A Mitre é poderosa, está bem consolidada e ainda tem uma janela confortável de cinco anos para construir estrategicamente sua contraparte em FM. O desafio não é se poderá dar esse passo, mas se o fará a tempo. Em um próximo artigo apresentarei um marco prático de transição digital adaptado à Argentina, que poderia evitar ao país o tipo de indecisão custosa e prolongada que paralisou o futuro da AM no Brasil.
Participação média da share em 2024
Mitre 790 AM com ~36–40% de share
La 100 FM com ~21,7%
Rádio 10 com ~16%
Programa: “Alguien Tiene que Decirlo”
O programa de longa trajetória “Alguien Tiene que Decirlo”, transmitido pela Rádio Mitre AM 790 em Buenos Aires e conduzido por Eduardo Feinmann, alcança números impressionantes, com mais de 40% de share (a participação proporcional da audiência entre todas as emissoras). A média da Mitre gira em torno de 36%, segundo dados publicados até mesmo por meios concorrentes como La Nación. Isso dá à emissora uma vantagem substancial sobre a segunda colocada no ranking geral, La 100 FM 99.9, que registra 21,79% de share. Entre as AM, a Mitre mais que duplica a audiência da segunda colocada, a Rádio 10, que mantém cerca de 16%.
Eduardo Feinmann, o motor da programação
O programa de Feinmann supera com folga seus competidores no mesmo horário. Descrito como “muito à frente” da concorrência, Alguien Tiene que Decirlo é um dos maiores fenômenos de audiência do rádio argentino. A Mitre é a emissora mais ouvida do país, e o programa de Feinmann é seu carro-chefe, especialmente nas manhãs, o horário mais competitivo do rádio.
Sua força vem de uma abordagem direta, centrada em temas políticos e de atualidade, que constrói fidelidade em uma audiência ampla e engajada. Eduardo Feinmann é uma figura central do jornalismo argentino, o que amplia o impacto de suas posições. A Mitre também se destaca nas redes sociais, com mais de 2,1 milhões de seguidores no Facebook, e sua tradição de 100 anos reforça ainda mais sua autoridade.
Perfil de Eduardo Feinmann
Feinmann não esconde — na verdade sublinha — os traços que definem seu estilo e o conectam a um público majoritariamente masculino e pró-mercado. Em suas declarações públicas e na linha editorial do programa, define-se como:
Defensor do livre comércio, o que o coloca em oposição ao protecionismo historicamente forte na Argentina.
Crítico ferrenho do kirchnerismo, utilizando uma linguagem dura e sem filtros — incluindo insultos, muito mais comuns e aceitos nos meios argentinos do que no Brasil.
Partidário da redução do tamanho do Estado, apoiando privatizações, cortes de impostos e maior liberdade econômica.
No contexto argentino, expressar abertamente uma postura ideológica não é visto como perda de neutralidade jornalística, mas como sinal de honestidade intelectual com a audiência. Vale destacar que ideologia não deve ser confundida com partidarismo: um jornalista pode condenar coerentemente um partido que um dia apoiou se esse partido trair seus princípios.
Feinmann também critica a indulgência do sistema judicial, particularmente em relação a crimes com penas leves.
Feinmann e Javier Milei
Durante a ascensão de Javier Milei à presidência, Feinmann apoiou em grande medida suas propostas — embora não deixe de criticar, especialmente os episódios de agressividade do presidente contra jornalistas. O alinhamento ideológico entre ambos é natural, mas Feinmann demonstra independência ao apontar erros quando considera necessário.
Perguntas incômodas (mas honestas)
Alguien Tiene que Decirlo é um programa de direita? Sim. O perfil político do programa é claro. Sua agenda gira em torno de posições pró-mercado, oposição ao intervencionismo estatal, privatizações, redução de impostos, liberdade econômica e mão dura contra o crime.
A Rádio Mitre é de direita? A Mitre pertence ao influente Grupo Clarín, tradicionalmente identificado com posições pró-mercado. Essa linha editorial se reforçou com as diversas tentativas de governos populistas de exercer controle estatal sobre os meios de comunicação. No contexto argentino, um ambiente midiático livre que apoie a iniciativa privada também é uma questão de sobrevivência.
Entre um programa pró-mercado e um pró-Estado, qual atrai mais audiência? Os números em Buenos Aires falam por si: Alguien Tiene que Decirlo liderou com 41,3% de share (maio de 2023), enquanto seu principal rival ideológico, a Rádio 10, teve cerca de 16%. A diferença é contundente.
Esse é um fenômeno exclusivamente argentino? Definitivamente não. Os altos níveis de audiência de programas jornalísticos de direita com público majoritariamente masculino não são exclusivos da Argentina. Observei isso, por exemplo, em Natal (RN), ao analisar audiências no YouTube. O padrão se repete: programas mais neutros ou de esquerda atraem menos visualizações, enquanto os mais alinhados à direita se destacam.
Fórmula Fox News?
Nos Estados Unidos, o exemplo clássico é a Fox News, líder de audiência desde 2017. Segundo pesquisa da Gallup (2013), 94% de seus telespectadores se identificam, ou tendem a se identificar, como republicanos. O contraste com canais como CNN, MSNBC e ABC é evidente.
A paradoxalidade: o jornalismo tende a se inclinar à esquerda, com forte presença feminina, mas a maioria do público masculino é de direita e consome conteúdo de debate, opinião e análise política com maior intensidade.
A Mitre tem uma diferença fundamental frente à Fox News: não abraça contradições políticas. Digo que, mesmo tendo uma inclinação pró-mercado, não evita os temas espinhosos que possam recair sobre políticos alinhados a esse pensamento. Vai perguntar sobre suspeitas de corrupção, vai apontar falhas flagrantes, vai exigir explicações — algo que, sobretudo agora, tem sido muito difícil de ver na Fox.
Assim, a Mitre continua conseguindo a maior parcela absoluta do público que gosta de ouvir rádios “All News”, como a Fox busca, mas sem precisar de alinhamentos incondicionais com figuras políticas. Conquista esse lugar sendo simplesmente pró-mercado, o que lhe dá liberdade para criticar até mesmo políticos que compartilham essa visão mas podem falhar na coerência.
O jornalismo atrai mais um gênero do que outro? Mais um lado do que outro?
De acordo com vários estudos, o jornalismo tende a apresentar um viés à esquerda em grande parte do mundo livre, incluindo Brasil, Estados Unidos e Europa. Esse padrão se observa nas redações e na cobertura de temas políticos e sociais.
O interessante é que, embora as mulheres tenham presença significativa e destacada no jornalismo, o público feminino, em média, mostra menos interesse por programas de debate político, especialmente os de tom mais combativo. Essa observação, baseada em achados empíricos, pode ser comprovada analisando o comportamento de consumo midiático entre conhecidos ou nos próprios dados de audiência.
Por exemplo, ao longo de um ano, monitorei especificamente as métricas de um programa de debate político transmitido pelo YouTube em Natal e constatei que a média de audiência masculina representava 83% dos espectadores. Essa proporção não parece ser um caso isolado, já que a predominância masculina costuma ser observada em programas similares em diferentes regiões do Brasil, especialmente nas interações dos chats ao vivo.
Uma possível explicação está na afinidade temática: debates mais duros e confrontativos, frequentemente centrados em política, economia ou segurança, tendem a atrair mais o público masculino. Já formatos mais leves, com enfoques suaves ou temas relacionados a cultura, bem-estar ou sociedade, tendem a atrair mais o público feminino — sem que isso implique menor interesse no mundo ou menor capacidade analítica.
Outro ponto relevante é a diferença de inclinações políticas entre os gêneros. Os dados sugerem que homens, em média, tendem a se identificar mais com ideias de direita, enquanto as mulheres mostram maior inclinação à esquerda. Essa divergência pode influenciar nas preferências de conteúdo jornalístico e até mesmo no equilíbrio de poder nas disputas eleitorais, onde a polarização ideológica se torna mais evidente.
Essa dinâmica não é exclusiva do Brasil. A análise de audiências em outros países revela padrões semelhantes, com predominância masculina nos espaços de debate político mais intenso. Para confirmar essas tendências, basta olhar as transmissões ao vivo de programas jornalísticos em diferentes estados do Brasil e observar a proporção de nomes masculinos e femininos nos comentários ou interações. Embora essas observações não sejam definitivas, apontam para uma segmentação de interesses que merece investigação mais profunda, considerando fatores como formato, tom e temas tratados.
A AM na Argentina
É importante destacar: a Mitre é uma emissora AM, uma faixa que no Brasil foi esvaziada pela supremacia da FM e pela perda de relevância comercial. Na Argentina, em contrapartida, as AM continuam vivas, em grande parte graças ao forte ênfase no análise político-econômico e no jornalismo crítico.(Site e streaming da Mitre 790: https://radiomitre.cienradios.com/)
A chave da audiência
A vantagem distintiva da Mitre está na forte presença de analistas — mais que simples jornalistas — e no uso de um humor inteligente que atravessa discussões densas e complexas. É essencialmente uma emissora orientada para a palavra: quase toda sua programação se baseia na análise dos fatos mais do que na mera descrição jornalística. O foco está no conteúdo exclusivo da Mitre, com opiniões fundamentadas de figuras com trajetória sólida e autoridade para formá-las, e com prognósticos que tendem a coincidir estreitamente com a realidade, reforçando ainda mais sua credibilidade.
Não se pode descartar certo alinhamento filosófico com a maioria de seus ouvintes como fator chave para alcançar ressonância e lealdade da audiência.
Do RN, assim acompanho o sucesso da Mitre e da Argentina
Acompanho a Rádio Mitre via streaming desde o fim de 2023, como mencionei em outro artigo. Costumo fazê-lo durante minhas viagens entre cidades no Rio Grande do Norte, e já ouvi vários programas em diferentes horários do dia. Um dos grandes nomes da emissora, Jorge Lanata, faleceu no fim de 2024. Seu programa, Lanata Sin Filtro, foi um referencial do jornalismo investigativo e independente. Lanata não era um jornalista de direita, mas sua independência o levou a criticar com dureza os abusos do kirchnerismo. Foi incisivo em expor as manobras econômicas que beneficiavam empresas “amigas” do governo com acesso privilegiado a dólares subsidiados.
Decidi acompanhar de perto a realidade argentina sem depender de intermediários que distorcem as informações, como geralmente ocorre com as notícias que chegam ao Brasil. Meu interesse foi observar o experimento libertário liderado por Javier Milei, com sua proposta de implementar um modelo de maior liberdade econômica, semelhante ao de países como a Nova Zelândia. No Brasil, um debate assim parece quase um tabu, mas Milei — um presidente intrigante — avançou com medidas iniciais impopulares que, embora polêmicas, muitas vezes se mostram necessárias para evitar o veneno econômico das políticas populistas.
Ao seguir fontes argentinas diretamente — como Rádio Mitre e os canais La Nación+, A24, TN e o ridículo C5N (vale a pena vê-lo como exemplo de como não fazer jornalismo) — senti-me muito mais seguro de obter informações próximas da realidade local.
Contrariamente às previsões pessimistas dos principais analistas econômicos da Argentina e do exterior, que apostavam no fracasso, escolhi confiar no projeto e até investi no país. Muitos desses especialistas, a meu ver, carecem de compreensão econômica prática, tratando o tema como literatura acadêmica enquanto ignoram a mecânica real de como funcionam as economias.
O recente fim do cepo cambiário, por exemplo, foi uma jogada sofisticada — digna de uma aula magna de economia — que demonstrou cálculo preciso e estratégico.
Pretendo explorar esse tema em mais detalhes em um próximo artigo, mas por ora destaco que a experiência argentina merece atenção, sem os filtros que tantas vezes distorcem nossa percepção.
Matematizando
A seguir, apresento um compêndio de informações sobre a audiência de rádio na Região Metropolitana de Buenos Aires, com uma visão detalhada baseada nos dados disponíveis até abril de 2025, incluindo as principais emissoras, seu desempenho, características da audiência e tendências recentes. Os dados vêm de múltiplas fontes redundantes como La Nación, Clarín e outras, e podem ser revisitados.
É só copiar
Se muitas rádios já não sabem o que fazer, ainda que contem com boas reservas, não vejo razão para tentar reinventar a roda. Não é um fenômeno específico da Argentina ter ouvintes numerosos que são viciados em boas análises, que mesmo com alinhamentos pró-mercado são absolutamente neutros em termos de honestidade intelectual. Eu não teria dúvida em seguir o modelo da Mitre para montar uma rádio semelhante no Brasil.
A Jovem Pan é a emissora que chega a lembrar um pouco a linha da Mitre, mas apenas lembrar. O modelo da Mitre se apoia muito em grandes analistas. O Brasil tem jornalistas inteligentíssimos, mas vários deles justamente não toleram ser pró-mercado. Alguns dos poucos que se encaixariam em uma rádio brasileira que seguisse o modelo Mitre seriam nomes como William Waack, hoje na CNN Brasil e ex-Rede Globo; Eduardo Oinegue, da rede Bandeirantes; Joel Pinheiro da Fonseca, da Globo News e ex-Jovem Pan; José Maria Trindade, da Jovem Pan; Tiago Pavinatto, ex-Jovem Pan; Gustavo Negreiros, da 96 FM Natal; e Thais Herédia, da CNN Brasil.

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