Milei fez questão de transformar aliados em inimigos e acabou colocando em risco o próprio sucesso
- Ricardo Gurgel

- 7 de set.
- 2 min de leitura
A alucinação de enxergar traições em qualquer movimento fez Milei perder o apoio de sua vice no Senado, voto essencial para garantir desempates e articular a aprovação de projetos difíceis. Além disso, a falta de freio ao xingar qualquer um que desejasse apenas debater algum ponto — muitas vezes mínimo e sem risco real de comprometer as reformas — afastou diversos políticos moderados. Muitos deles, com uma boa conversa e alguns ajustes de convergência, votariam com Milei.
A Argentina vinha avançando em muitos aspectos, mas agora corre o risco de retroceder por vingança de um Congresso maltratado. Faltou tato político a Milei e a parte de sua equipe. Foi desnecessário perder aliadas como Diana Mondino, assim como os ataques verbais a agentes que, na prática, mais concordavam do que discordavam dele. Esses erros, sim, colocam em risco o avanço das reformas. A verdade que se impõe é clara: um gênio pode ter pouca inteligência nas relações humanas. Infelizmente, o maior responsável pela queda atual de confiança e pelo medo generalizado do mercado é o próprio presidente, que abriu espaço para que o Congresso assuma a direção do país, desmontando seus projetos.
Com eleições próximas, um mau resultado pode criar novo círculo de instabilidade, pressionando ainda mais o dólar, moeda da qual a Argentina segue brutalmente refém. É impressionante a repetição da história: presidentes que não sabem lidar com o Congresso acabam derrotados por detalhes simples, como a incapacidade de evitar insultos. Poucos votos a mais, conquistados com melhor tratamento, seriam suficientes para que hoje Milei comemorasse uma nova Argentina.
É triste constatar que, de forma desnecessária, ele fez questão de ferir e agredir o ego de pessoas que estavam ao seu lado. Essa mania de perseguição, alimentada por vozes internas ou por péssimos conselheiros, colocou-o numa situação perigosa, porém facilmente evitável com um mínimo de habilidade e inteligência emocional.
Assim, um país que vinha acumulando avanços corre risco de retroceder, de reacender a retrógrada força do peronismo ao centro, rivalizando e destruindo reformas em andamento. O peronismo e o kirchnerismo estavam agonizando, sem forças para frear Milei. Mas ao criar novos inimigos, o presidente inevitavelmente fortalece os adversários quase derrotados. Esse ressurgimento da oposição nasce do mesmo erro já visto em outros contextos: o medo de eliminar um rival acaba dando fôlego a quem deveria estar fora do jogo, e agora a Argentina sofre, mais uma vez, com os frutos do próprio ego presidencial.
Faltou a Milei a temperança e a compreensão do jogo político que alguém como Claudio Zuchovicki, outro gênio da economia, certamente teria. Zuchovicki compartilha mais de 90% da visão econômica de Milei, mas, ao contrário dele, saberia conduzir com habilidade o diálogo com o Congresso. Teria, inclusive, conquistado vitórias improváveis que hoje fazem falta por não terem sido aprovadas.
Este domingo pode se tornar ainda mais preocupante com os resultados que chegarão mais tarde. Se forem positivos, que sirvam para que Milei coloque a mão na consciência e reflita sobre a confiança cega em seus conselheiros mais próximos. É preciso moderar o tratamento com as pessoas: não se trata de alinhar-se politicamente com adversários, mas de respeitar ao menos os moderados, conquistando votos que não custariam nada. Caso contrário, continuará acumulando derrotas gratuitas que, no fim das contas, prejudicam diretamente a ele próprio.










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