As escassas, necessárias e injustamente condenadas psicologia do consumidor e psicologia econômica
- Ricardo Gurgel

- há 5 dias
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Provavelmente por ser considerada uma área pouco “romântica”, a psicologia do consumidor ainda é equivocadamente vista como um campo menos humanizado, o que é um erro profundo. Compreender o consumidor não é “desumanizar” a psicologia; ao contrário, é buscar oferecer o melhor, o mais adequado e o acessível, entregando produtos e serviços que façam sentido e despertem respeito e admiração por uma empresa.
Outra tolice comum é rotular essa especialidade como uma “psicologia capitalista”. Ora, todos os profissionais buscam remuneração, seja cobrando diretamente de seus clientes, seja recebendo do Estado por meio de impostos pagos pela população. O psicólogo voltado ao ambiente empresarial não cobra da sociedade diretamente: ele presta serviços a empresas que desejam entender melhor seu público e, em muitos casos, essas análises resultam em uma relação mais saudável, consciente e satisfatória entre empresa e consumidor.
No meu trabalho de rastreamento de audiência de emissoras de rádio FM, observo exatamente isso. Analisando diferentes programas, percebo claramente quais criam engajamento genuíno e quais fazem o público fugir. Muitos desses comportamentos passam despercebidos: programas bem-sucedidos não são reconhecidos como tal, enquanto outros com baixa atenção são considerados “sucesso” sem que exista uma medição real. Com o tempo, essa falta de compreensão leva à perda de conexão com o ouvinte e, consequentemente, à perda de relevância.
A psicologia do consumidor é a área que estuda como as pessoas escolhem, compram, usam e descartam produtos e serviços. Seu objetivo é compreender:
As motivações e necessidades que levam ao consumo.
Os processos de decisão, como e por que alguém escolhe uma marca em vez de outra.
As influências sociais, emocionais e cognitivas no comportamento de compra.
As reações às estratégias de marketing, publicidade e posicionamento de marca.
Empresas que investem nesse tipo de conhecimento conseguem entender profundamente seu público-alvo, criar produtos mais atraentes, campanhas mais eficazes e experiências de compra mais significativas. Longe de ser “menos humana”, essa é uma psicologia que conecta ciência, comportamento e realidade de mercado, e que, por isso mesmo, é indispensável.
E sim, o caminho natural e desejável da psicologia do consumidor é que ela seja profundamente baseada em evidências, caminhando lado a lado com o método científico. Isso significa desenvolver pesquisas com rigor metodológico, manter intimidade com números, dados estatísticos e análises quantitativas e realizar levantamentos amplos e consistentes sobre comportamentos, preferências e padrões de decisão.
A força dessa área está justamente nessa combinação: teoria psicológica aliada a dados concretos. É dessa união que surgem insights confiáveis, capazes de orientar decisões estratégicas e gerar impactos reais na relação entre pessoas, marcas e produtos. Uma psicologia do consumidor madura e relevante não se sustenta em achismos ou intuições isoladas, ela se constrói sobre evidências sólidas que revelam o que realmente move as escolhas humanas.
A chamada psicologia do consumidor não costuma aparecer como uma disciplina de destaque nos cursos de graduação em Psicologia no Brasil, como ocorre em alguns países (por exemplo, nos Estados Unidos ou na Alemanha, onde existem departamentos inteiros voltados a Consumer Psychology ou Consumer Behavior).
A Psicologia Econômica
Vejo o conhecimento econômico como um fechamento essencial das bases teóricas para quem deseja atuar com seriedade na psicologia econômica ou do consumidor. Quando falo em conhecimento econômico, refiro-me a uma compreensão ampla e consistente do funcionamento da macroeconomia e da microeconomia, além de uma intimidade genuína com finanças e investimentos.
Destacar-se nesse campo não significa apenas cercar-se de siglas, terminologias e jargões. Significa, antes de tudo, desenvolver uma mente estruturada em lógica, raciocínio numérico, pensamento matemático e análise de dados, de modo a evitar conclusões superficiais ou contradições conceituais.
Não nego que regras rígidas e metodologias consistentes são indispensáveis para impedir que vieses pessoais, aqueles que surgem “da minha cabeça”, se sobreponham às boas práticas científicas. Só com esse alicerce intelectual é possível construir análises sólidas, coerentes e úteis, capazes de gerar conhecimento confiável sobre o comportamento econômico humano.
Misses X Marx
Quero ser muito direto em um ponto que, embora doloroso para alguns, precisa ser dito: tentar entender economia com as lentes de Karl Marx simplesmente não funciona na prática contemporânea. Se alguém duvida disso, os fatos falam por si. Basta olhar para a China, um país que deu saltos econômicos estratosféricos justamente a partir do momento em que incorporou fórmulas extremamente liberais: abriu-se à concorrência global, priorizou eficiência produtiva, competição e conquista de mercados.
Hoje, a China, que oficialmente continua a se declarar socialista, pratica em diversas frentes um capitalismo intensivo e pragmático. Essa transformação não foi acidental: foi uma escolha baseada em resultados concretos, não em dogmas ideológicos.
Se me perguntarem se esse modelo é o ideal ou se é “justo”, eu diria que não, há sérios problemas de liberdade individual, principalmente de expressão e opinião, características típicas de regimes autoritários. Basta observar exemplos como Venezuela, Cuba, Coreia do Norte, Congo ou Burkina Faso, onde o controle político e a rejeição a princípios básicos de mercado resultaram em estagnação econômica, pobreza crônica e fuga de cérebros.
O ponto aqui não é exaltar o capitalismo em si, mas reconhecer que as ferramentas que movem a economia moderna, inovação, competição, abertura de mercado e incentivos adequados, nascem de lógicas liberais. Ignorá-las ou tentar enquadrá-las em modelos do século XIX é condenar-se à análise rasa e ao erro estrutural.
Donald Trump não é um bom exemplo de liberalista econômico
Outro ponto que vale destacar, e que muitos ignoram, é que políticas econômicas não se definem apenas por quem as adota, mas pelo conteúdo que elas carregam. Um exemplo claro disso são as políticas de taxação implementadas por Donald Trump nos Estados Unidos. Apesar de sua retórica associada ao liberalismo e ao livre mercado, muitas dessas medidas estavam muito mais próximas do protecionismo clássico do que de uma lógica liberal.
Ao elevar tarifas sobre produtos importados e tentar “proteger” a indústria nacional por meio de barreiras comerciais, Trump aplicou estratégias que lembram economias em processo de recuperação ou países que tentam compensar atrasos estruturais, práticas que, historicamente, sempre estiveram muito mais alinhadas a políticas estatistas e socializantes do que ao liberalismo econômico.
Isso reforça um ponto fundamental: o liberalismo não é um discurso, é um conjunto de práticas concretas. Ele exige confiança na competição, abertura ao comércio, ambiente regulatório previsível e liberdade para o capital e para a inovação circularem. Quando um governo, mesmo de direita, decide intervir excessivamente no mercado, elevar tarifas ou proteger setores ineficientes, está se distanciando dessas bases e se aproximando de lógicas econômicas que limitam o crescimento sustentável.
Trump imita Sarney e outros presidentes brasileiros
Em muitos aspectos, as políticas protecionistas de Donald Trump lembram os tempos do governo José Sarney no Brasil, quando importar qualquer produto era uma tarefa quase impossível. Naquele período, o acesso a tecnologias, bens de consumo e produtos inovadores produzidos no exterior, muitas vezes mais eficientes, modernos e baratos, era severamente restrito em nome da proteção da chamada “indústria nacional”.
O resultado desse modelo é conhecido: ao invés de se fortalecer pela competição global, grande parte da indústria brasileira tornou-se dependente dessa barreira artificial. Sem a pressão da concorrência internacional, não havia incentivos reais para inovar, melhorar a qualidade ou reduzir custos. Nós, consumidores brasileiros, ficamos cativos de um mercado fechado, sem opções e obrigados a consumir o que havia disponível, muitas vezes de qualidade inferior e a preços elevados.
Essa experiência mostra como políticas protecionistas, mesmo quando bem-intencionadas, criam zonas de conforto que corroem a competitividade e atrasam o desenvolvimento econômico. É por isso que medidas semelhantes, quando adotadas por países como os Estados Unidos, soam tão contraditórias: ao invés de abrir espaço para eficiência e inovação, elas recriam a lógica ultrapassada do isolamento econômico, que já se mostrou prejudicial em vários momentos da história, inclusive no Brasil.












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