Quem diria? O futuro do rádio digital pode começar no AM– E com som no nível do Spotify
- Ricardo Gurgel
- 19 de abr.
- 6 min de leitura
Atualizado: 3 de mai.
Definitivamente, pode se tornar um movimento do tipo "atirar no escuro e acertar na mosca ou atirar no que viu e acertar no que não viu"!
A migração das emissoras AM para o FM não foi uma acomodação planejada para limpar a faixa visando um renascimento digital, mas é exatamente isso que estamos prestes a testemunhar. Vou elencar questões cruciais que impulsionaram e continuarão a impulsionar esse movimento.
Ao longo dos últimos anos, presenciamos uma migração em massa das emissoras AM para o FM. Essa mudança foi provocada e intensamente requisitada pelas próprias emissoras, sufocadas pela grande desvantagem mercadológica que enfrentavam ao operar em AM. A sonoridade ruidosa e inferior, aliada às dificuldades de captação em locais como estacionamentos, prédios, casas e apartamentos, praticamente relegou o sistema AM a uma recepção restrita a áreas rurais, onde havia algum alívio das interferências urbanas.
A faixa AM: Um novo horizonte digital
Agora, a faixa AM se apresenta como um território virgem. Uma nova leva de emissoras totalmente digitais poderá surgir sem o caos de outros países, que enfrentaram disputas de interferência entre AMs analógicas, digitais e/ou híbridas, resultando em um cenário confuso para todos.
Os novos entrantes serão emissoras AM exclusivamente digitais, sem a necessidade de estreitar seus canais para acomodar sinais analógicos paralelos. Esses sinais analógicos apenas forçavam os digitais a operar com uma fração de sua potência máxima. Sei que ainda existem pouquíssimas emissoras operando em AM no Brasil, mas, em geral, são as maiores que ousaram persistir. O bom senso as levará a considerar a digitalização como uma opção muito mais vantajosa, portanto, nem as considero um obstáculo significativo para uma faixa exclusivamente digital.
A promessa de uma sonoridade aprimorada
Espero que se lembrem da referência ao CD. Para uma geração que sequer o conheceu bem, imagine um som limpo de ruídos e outras imperfeições (em geral). O rádio digital chega com a promessa de alcançar uma definição ainda superior à do CD. Embora a digitalização tenda a oferecer melhor qualidade quando implementada em FM, o som digital em AM será muito bom. Contudo, ao alcançar o FM, será excelente e verdadeiramente sedutor, ainda mais incrível. Vale a pena comparar sua qualidade com o que ouvimos no Spotify para se ter uma noção do impacto dessa melhora.
O diferencial brasileiro
O Brasil, por ser um país continental, pode permitir potências razoáveis de transmissão sem causar problemas aos países vizinhos. Além disso, nossas capitais geralmente estão localizadas a distâncias consideráveis das fronteiras, o que proporcionaria grande flexibilidade no gerenciamento das licenças em nosso território. Não perderíamos tempo com transmissões duplas em AM (digital/analógico); a direção seria uma transmissão exclusivamente digital, evitando transtornos técnicos e de custos para as emissoras. A utilização completa do canal licenciado para o digital permitiria uma qualidade sonora ainda superior à experimentada em outros países que tiveram seus canais reduzidos para a transmissão das duas modalidades pela mesma emissora.
Com a faixa limpa, um feito notável e incomum, as emissoras chegariam gradualmente e utilizariam um sistema puro, e não híbrido. Isso tornaria incrivelmente mais rápida a fase de testes e ajustes, tanto pelo órgão regulador quanto pela emissora, que estaria focada em uma tecnologia mais simples e eficiente.
A velocidade da implantação
As complicações burocráticas estão minimizadas justamente pela faixa virgem. A escolha da tecnologia também se torna mais simples. O que impulsiona o processo é a vontade de avançar. A indústria mundial mostrará suas opções para conquistar o mercado nacional, e a acirrada disputa por qualidade e preço estará a favor do país. Já podemos entrar na fase de demonstração e apresentação aos radiodifusores sem demora. A Anatel tem condições de estabelecer metas e padrões em pouco tempo. O repovoamento da faixa após a definição do padrão a ser adotado é um processo natural, passo a passo, mercado por mercado. Não se trata de um repovoamento imediato, pois a chegada de rádios ocorre em anos e quantidades diferentes em regiões distintas.
Calculei a equação
Apesar da ausência de discussões oficiais no governo, agências ou ministérios sobre a destinação da faixa AM para rádios digitais, não consigo enxergar de outra forma o que vem se configurando como uma oportunidade real de destravar nosso avanço digital. Essa percepção me salta aos olhos de forma tão evidente que me sinto seguro em lançar essa hipótese com um alto grau de convicção: a bola está na marca do pênalti, o goleiro já caiu, e o chute é iminente. Temos os seguintes fatores:
Faixa AM desocupada: A migração para o FM deixou a faixa AM livre e pronta para receber as transmissões digitais.
Tecnologia AM digital comprovada: Sistemas digitais para AM já existem, foram testados e estão em operação em diversas partes do mundo.
Potencial de arrecadação: A concessão de novas licenças digitais na faixa AM representa uma significativa fonte de receita para o governo.
Transmissão limpa: A ausência de sinais analógicos coexistindo com os digitais elimina o problema de interferências, garantindo uma qualidade de transmissão superior.
O exemplo da TV digital: Assim como a TV digital pôs fim aos "chuviscos", o rádio digital trará o fim dos ruídos e da baixa qualidade sonora na faixa AM.
Este conjunto de fatores me apontam para esta aposta de um futuro digital para a faixa AM no Brasil.

Reforçando os pontos fortes da aposta:
Faixa AM : Este é o ponto crucial. A migração significativa de emissoras para o FM abriu um espaço considerável no espectro AM. Essa "tela em branco" elimina um dos maiores obstáculos para a implementação do rádio digital em qualquer faixa: a coexistência e potencial interferência entre sinais analógicos e digitais.
Experiência internacional: Como já discutimos na postagem (Mais de dez anos perdidos), existem tecnologias de rádio digital AM (como HD Radio e DRM desde que sem o sistema híbrido) que foram testadas e implementadas em outros países. Isso significa que o Brasil não precisaria começar do zero no desenvolvimento da tecnologia, podendo adaptar soluções já existentes e aprender com a experiência internacional.
Potencial de melhoria da qualidade sonora: A principal limitação histórica do AM analógico é sua qualidade de áudio inferior. A implementação do rádio digital tem o potencial de transformar essa percepção, oferecendo um som mais limpo, com maior fidelidade e menos ruído, tornando a experiência auditiva mais agradável para o ouvinte.
Serviços adicionais: O rádio digital não se limita apenas ao áudio. Ele pode oferecer serviços adicionais como texto na tela do receptor (nome da música, artista, informações do programa), informações de trânsito, notícias e até mesmo imagens estáticas, agregando valor à experiência do rádio.
Oportunidade de inovação: Uma faixa AM digitalizada pode atrair novas emissoras e formatos de programação que buscam um diferencial em termos de qualidade e tecnologia. Isso pode revitalizar o dial AM e atrair um novo público.
Eficiência espectral: Embora a largura de banda do AM seja menor que a do FM, as tecnologias digitais podem ser mais eficientes no uso do espectro, permitindo que mais emissoras operem com melhor qualidade dentro da mesma faixa.
Considerações e desafios:
Adoção de receptores: O sucesso da implementação dependerá da disponibilidade e acessibilidade de receptores de rádio digital AM para o público. Será necessário um esforço coordenado para incentivar a fabricação e a compra desses aparelhos.
Regulamentação e padronização: A Anatel terá um papel fundamental na definição dos padrões tecnológicos a serem adotados e na criação de um ambiente regulatório que incentive a migração ou o surgimento de novas emissoras digitais AM.
Interesse das emissoras: Embora a faixa esteja livre, será necessário que as emissoras vejam valor em operar digitalmente em AM. Os benefícios em termos de qualidade, alcance e potencial de novos serviços precisarão ser convincentes.
Concorrência com outras plataformas: O rádio digital AM competirá com outras formas de consumo de áudio digital, como streaming e podcasts. Será importante destacar os diferenciais do rádio, como a instantaneidade e a gratuidade.
Conclusão da análise:
A ocupação da faixa AM com o rádio digital é fundamentada e oportuna. A disponibilidade da faixa, aliada ao potencial de melhoria da qualidade sonora e à possibilidade de oferecer novos serviços, cria uma janela de oportunidade única para revitalizar o espectro AM no Brasil.
O sucesso dessa empreitada dependerá de uma coordenação eficaz entre o governo (Anatel), a indústria de radiodifusão e os fabricantes de receptores, além de uma comunicação clara dos benefícios para o público ouvinte. No entanto, o cenário atual oferece um terreno fértil para que esta aposta se concretize em um futuro não muito distante. Acredito que há um grande potencial a ser explorado nessa direção.
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