Fim da "Zona Franca de Manaus Argentina"
- Ricardo Gurgel
- há 5 minutos
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A província da Terra do Fogo desfruta, desde 1972, de um regime fiscal especial que beneficia montadoras de celulares, televisores, aparelhos de ar-condicionado e outros eletrônicos. Essas empresas importam insumos com tarifas simbólicas e revendem seus produtos para o restante do país, num arranjo que lembra a Zona Franca de Manaus: ambos nasceram para povoar áreas remotas e reforçar a soberania nacional.
No entanto, a distância extrema em relação a Buenos Aires torna o transporte caro tanto na importação de componentes quanto na distribuição dos itens acabados.
Preços que dobram no caminho
Combinados a alíquotas de importação que, na prática, bloqueavam a concorrência externa, os custos logísticos fizeram os eletrônicos produzidos na Terra do Fogo chegarem às prateleiras pelo dobro do preço (em dólares) cobrado em mercados internacionais.
A virada anunciada por Milei
Nos últimos dias, o presidente Javier Milei anunciou:
Corte imediato pela metade das tarifas sobre celulares importados;
Alíquota zero a partir de janeiro de 2026;
Redução de impostos internos para dar fôlego às indústrias locais, que enfrentarão aparelhos cerca de 30 % mais baratos.
Objetivo declarado
O governo não pretende extinguir o regime especial, rejeitado pela maioria dos argentinos que se sente refém de um mercado sem concorrência real. A meta é equilibrar o jogo, tornando todas as províncias competitivas.
Compensações para a Terra do Fogo
Para suavizar o choque competitivo, a Casa Rosada promete:
novos incentivos que reduzam os custos de produção;
menos impostos estaduais;
um regime simplificado que permita às fábricas vender diretamente a residentes da província, eliminando atravessadores.
Estratégia econômica em resumo
Baratear o eletrônico mais popular do mundo para 45 milhões de argentinos;
Reduzir tarifas de importação (até 0 %);
Reduzir impostos internos (até 0 %);
Autorizar vendas diretas das indústrias fueguinas aos consumidores locais.
Uma arapuca para a oposição
Com celulares e outros eletrônicos mais acessíveis, criticar o pacote se torna um suicídio político: o governo ainda reforçou a competitividade local, tornando difícil alegar “destruição de empregos”.
Empregos em xeque? Menos do que parece
A cadeia foi responsável, em 2024, por apenas 6 mil postos formais — um número modesto diante dos 45 milhões que pagam caro pelos produtos. As novas condições tendem a preservar boa parte dessas vagas, enquanto direcionam a província para setores em que possui vocação natural:
Turismo de natureza e aventura;
Pesca de salmão (hoje limitada);
Petróleo e gás — indústrias bilionárias ainda subaproveitadas.
A verdadeira vocação da Terra do Fogo
Turismo, pesca, petróleo e gás podem gerar muito mais empregos e divisas do que o restrito, e nada estratégico, “monopólio eletroeletrônico” que vigorou por décadas sob o rótulo de “Zona Franca de Manaus Argentina”.
Escola austríaca de economia
Na situação da Terra do Fogo, Javier Milei aplica diversos princípios da Escola Austríaca de Economia, a qual ele explicitamente adota como base teórica de suas ações. Os principais conceitos austríacos presentes nessa mudança de política econômica são:
1. Livre mercado e concorrência
Princípio austríaco: A Escola Austríaca defende que a livre concorrência é essencial para determinar preços justos e promover eficiência econômica.
Aplicação no caso:
Ao eliminar tarifas de importação sobre celulares e reduzir impostos internos, Milei está abrindo o mercado à concorrência internacional, acabando com o protecionismo artificial que beneficiava exclusivamente a Terra do Fogo.
A ideia é que os consumidores se beneficiem de preços menores e maior variedade, algo inviável sob um regime monopolista.
2. Aversão ao intervencionismo estatal
Princípio austríaco: Os austríacos criticam fortemente qualquer forma de intervenção do Estado que distorça o funcionamento natural dos mercados.
Aplicação no caso:
O regime da Terra do Fogo era um exemplo clássico de intervenção estatal, com isenções, subsídios e barreiras comerciais para proteger um setor ineficiente.
Milei atua para reduzir esse intervencionismo, permitindo que o mercado determine quem produz melhor e mais barato.
3. Redução de impostos como motor de eficiência
Princípio austríaco: Impostos distorcem decisões econômicas e inibem a produção e a inovação.
Aplicação no caso:
A política de Milei reduz ou elimina impostos, tanto para produtos importados quanto para a produção local, o que desonera o setor produtivo e estimula maior competitividade.
4. Soberania do consumidor
Princípio austríaco: Os consumidores, por meio de suas escolhas no mercado, são os verdadeiros "reis" da economia — decidem o que deve ser produzido, em que quantidade e a que preço.
Aplicação no caso:
Ao permitir concorrência e eliminar barreiras artificiais, Milei está devolvendo ao consumidor o poder de decisão sobre o que comprar e a que preço.
Antes, os consumidores eram forçados a comprar produtos caros e com pouca concorrência — agora, o mercado responde à demanda real.
5. Cálculo econômico e crítica ao “falso emprego”
Princípio austríaco: Segundo Ludwig von Mises, o cálculo econômico racional só é possível num mercado livre. Empregos sustentados artificialmente por subsídios ou protecionismo distorcem a alocação eficiente de recursos.
Aplicação no caso:
A manutenção de cerca de 6 mil empregos na Terra do Fogo às custas de preços inflacionados para milhões de argentinos é vista como uma alocação ineficiente e injusta de recursos.
Milei aplica a lógica austríaca ao expor essa distorção e propor realocação de recursos (inclusive força de trabalho) para setores mais estratégicos e produtivos.
Pontos diretos
Milei usa a situação da Terra do Fogo para colocar em prática a filosofia austríaca de:
menos Estado,
mais mercado,
concorrência aberta,
preços livres,
impostos mínimos,
e soberania do consumidor.
Ruptura
A medida representa uma ruptura com o modelo protecionista e corporativista do passado, tentando fazer com que a eficiência econômica supere os privilégios setoriais. Isso está alinhado com autores austríacos como Mises, Hayek e Rothbard, que 0rejeitam o intervencionismo e defendem o capitalismo puro de mercado como solução racional para os problemas econômicos.