Hollywood absolutamente ameaçada por prompts de IA
- Ricardo Gurgel

- 24 de set.
- 3 min de leitura
Produções bilionárias, centenas de horas com os maiores editores gráficos, artistas de talentos extraordinários em cada detalhe das cenas, tudo isso pode ser superado por adolescentes em seus laptops, usando inteligência artificial para criar vídeos com som e imagem em nível de blockbuster, mas com orçamentos irrisórios. Hollywood até pode correr para licenciar as IAs mais caras, mas é difícil imaginar qualquer monopólio duradouro sobre o encantamento visual no cinema.
Entramos em uma era em que atores incrivelmente talentosos nem precisam sair de casa para gravar: seus avatares podem estar simultaneamente em diversos filmes. Uma crise silenciosa pode estar chegando para roteiristas, atrizes, atores e figurantes, sem aviso, sem tempo de reação. E a invasão acontece em todas as escalas: até videoclipes já contam com canções totalmente criadas por IA, da letra à harmonia. O resultado? Uma overdose de produção e uma concorrência jamais vista na história das artes.
Muitos dos grandes sucessos que explodem no YouTube já são produtos de IA. Há de tudo: funks em versão anos 80, músicas traduzidas para diversas línguas, artistas fictícios e hits com rostos e vozes “emprestados” de pessoas que jamais imaginaram ser cantoras.
A crítica virou HIT feito por IA, celebrado até mesmo pelos próprios alvos da crítica
Um dos maiores exemplos vem de Portugal: um clipe viral traz como personagens políticos do partido CHEGA, conhecido por pautas anti-imigração e alinhamentos com o trumpismo. É algo que pode assustar e preocupar aqueles que já vivem em Portugal e ainda lutam pela legalização. Vale destacar que muitos desses imigrantes apenas buscam uma oportunidade de viver de forma harmoniosa em seu novo país.
A letra, carregada de trechos que podem ser considerados preconceituosos, foi aparentemente criada como crítica ao partido. Porém, em uma reviravolta irônica, o vídeo acabou sendo aclamado justamente pelos apoiadores do CHEGA, que o tomaram como bandeira.
Estamos diante de um momento sem precedentes: toda a indústria cultural está sob intenso fogo cruzado da IA, acessível em laptops de pessoas criativas, ou apenas com tempo de sobra para elaborar prompts ousados e obter resultados surpreendentes. É impossível não imaginar, no mínimo, uma descentralização do cinema mundial. O mais provável é que deixemos de ter um único berço de referência cultural global, abrindo espaço para múltiplos centros de criação que disputarão nossa atenção com armas igualmente poderosas.
A lista dos dramas:
1. Desvalorização do trabalho humano
Atores e atrizes: avatares digitais podem ser usados em múltiplas produções, sem limites físicos, reduzindo a demanda por presença em estúdio.
Roteiristas: modelos de IA já conseguem estruturar roteiros, diálogos e narrativas com baixo custo, diminuindo o espaço profissional.
Profissionais técnicos: funções de edição, efeitos visuais e sonorização podem ser parcialmente automatizadas, barateando a produção, mas também eliminando postos de trabalho.
2. Saturação e excesso de conteúdo
A barreira de entrada despenca: qualquer pessoa com tempo e criatividade pode gerar filmes, curtas ou clipes em escala quase ilimitada.
Isso pode levar a uma “overdose cultural”, em que o público se dispersa em milhares de microproduções, dificultando a construção de grandes sucessos de massa como antes.
3. Erosão do valor da marca Hollywood
O cinema americano se sustentava como referência mundial de qualidade técnica e narrativa.
Se adolescentes ou pequenos coletivos puderem entregar visuais “nível blockbuster”, o diferencial competitivo da indústria se esvai.
4. Questões legais e de direitos
Uso não autorizado de voz, imagem e estilo de atores (deepfakes e clones digitais).
Disputas sobre quem detém os direitos autorais de obras feitas com IA: o criador do prompt, a IA ou a empresa que a desenvolveu?
Possíveis processos em massa por exploração indevida de dados artísticos no treinamento das IAs.
5. Impacto econômico direto
Orçamentos bilionários podem se tornar obsoletos, enquanto produções baratas disputam a mesma atenção.
Estúdios que investirem pesado em modelos tradicionais correm risco de ter retornos muito abaixo do esperado, dada a concorrência pulverizada.
6. Transformação do consumo cultural
O público pode se acostumar a experiências personalizadas: filmes feitos “sob encomenda” ou narrativas ajustadas em tempo real.
Isso ameaça o modelo de cinema como experiência coletiva e uniforme, um dos pilares de Hollywood.
Estamos diante de uma transformação que ameaça não apenas os modelos econômicos de Hollywood, mas a própria noção de autoria, exclusividade e centralidade cultural do cinema. A velocidade das mudanças não permite previsões seguras, apenas constatações provisórias. Por isso, voltaremos a avaliar toda essa situação em seis meses, quando talvez já tenhamos exemplos concretos de estúdios em crise, carreiras repensadas e um novo equilíbrio, ou desequilíbrio, no coração da indústria audiovisual mundial.










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