Fluxo de instalação do DRM (rádio digital) no Brasil
- Ricardo Gurgel
- há 4 dias
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Atualizado: há 4 dias
Fase 1 - Migração das emissoras AM para a faixa FM e desocupação da faixa AM (praticamente concluída no Brasil).
Faixa AM | Faixa FM |
Rádios analógicas (~530-1710Khz) | Rádios analógicas (~88-108 Mhz) |
Liberação do processo de migração das rádios AM para a faixa FM. | Ampliação da faixa FM (76-88 MHz) para acomodar rádios AM migrantes em cidades onde a faixa FM (88-108 MHz) está saturada. |
Limpeza da Faixa AM (~530-1710Khz) | Rádios analógicas (~76-108 Mhz) |
Nenhuma rádio analógica (Brasil) | Todas as rádios analógicas (Brasil) |
Fase 2 - Testes na faixa AM exclusivamente com transmissão de rádios digitais (sem modo híbrido)
Faixa AM | Faixa FM |
Realização de testes com DRM e outras tecnologias de rádio digital disponíveis (sem modo híbrido) | Funcionamento sem interferências digitais |
Abertura para que órgãos reguladores, fabricantes e distribuidores promovam eventos voltados a atores do mercado e ao público |
Fase 3 - Regulamentação do sistema de rádio digital AM.
Faixa AM | Faixa FM |
Promoção de discussões e debates para a regulamentação do sistema de rádio digital AM | Funcionamento sem interferências digitais |
Fase 4 - Implementação do sistema regulamentado.
Faixa AM | Faixa FM |
Implementação da regulamentação e início da concessão de outorgas, licenças e operação. | Funcionamento sem interferências digitais |
Razões para que este novo fluxo avance — ao contrário do que ocorreu desde 2010
1. Aproveitar o fim do conflito na Faixa AM
O fluxo proposto parte de uma base estratégica: aproveitar a liberação da faixa AM para impulsionar o rádio digital, sem recorrer ao modo híbrido, que foi o maior entrave à digitalização.
O modo híbrido, que obriga a convivência entre sinais analógicos e digitais no mesmo canal, tornou a transição lenta, ineficiente e instável. A leitura é clara: esse modelo paralisou o processo no Brasil e, provavelmente, também freou ou desestimulou a digitalização em outros países.
2. Não imobilizar as emissoras
Este novo fluxo não impõe interrupções nem limitações às emissoras. Mesmo aquelas que decidirem testar e operar com a tecnologia DRM poderão manter suas atividades normalmente em FM, sem interferência ou necessidade de adaptações imediatas.
Além disso, emissoras interessadas em ingressar no rádio digital poderão fazê-lo com mais liberdade, aproveitando uma proposta mais aberta, menos burocrática e mais voltada ao público geral, em vez de restrita a palestras técnicas ou a eventos concentrados em engenheiros e especialistas.
3. Focar no público — e não apenas nos engenheiros
Um dos maiores erros de 2010 foi o fechamento do debate técnico entre engenheiros e grandes grupos dos centros urbanos do Sul e Sudeste, ignorando o papel do público ouvinte e excluindo a participação de radiodifusores de outras regiões, como o Nordeste.
A nova proposta precisa seduzir o público, envolver mais atores do sistema e criar uma narrativa de transformação cultural, não apenas técnica. O rádio digital só avança quando o ouvinte percebe valor na mudança.
Diretrizes do novo fluxo
As diretrizes desta proposta buscam corrigir os erros históricos que travaram a digitalização do rádio no Brasil. Elas se baseiam em:
Evitar o modo híbrido como regra;
Utilizar a faixa AM liberada como espaço de transição digital;
Não imobilizar emissoras durante a fase de testes e adaptação;
Ampliar o diálogo para além dos engenheiros, envolvendo todo o ecossistema de radiodifusão;
Estabelecer um modelo que possa servir de referência para outros países estagnados no processo digital, com foco em práticas funcionais de substituição tecnológica.
Apostas que devemos fugir
1. Insistência no modo híbrido: um erro de origem
Desde o início, optou-se por uma estratégia híbrida, onde o sinal digital e o analógico compartilham o mesmo canal. Essa convivência forçada comprometeu o desempenho do sistema digital, que, para não interferir no sinal analógico, teve sua potência severamente reduzida. O resultado foi a inversão de papéis: o digital virou coadjuvante do analógico, quando deveria ser o protagonista da modernização.
Além disso, a perda da identidade de frequência, característica tradicional e importante para a lógica do rádio, foi "vendida" aos radiodifusores como um benefício. O que se viu, na prática, foi o surgimento de um modelo particularmente vulnerável à auto-interferência, sem vantagens concretas para as emissoras ou para os ouvintes.
2. Aposta em um modelo de alto custo e dependente de royalties
A escolha de um padrão proprietário, como o HD Radio, traz custos altos de implementação, incluindo o pagamento de royalties para uso de tecnologia e licenciamento de equipamentos. Isso inviabilizou a adoção por pequenas e médias emissoras, que compõem a maioria do setor no Brasil.
Além disso, essa dependência de uma estrutura fechada engessa o mercado, dificultando o desenvolvimento e a comercialização de receptores e transmissores mais baratos, especialmente em um país com grande desigualdade econômica e baixo poder aquisitivo médio.
3. Restrição tecnológica e falta de visão estratégica
O rádio digital no Brasil foi confinado a um "curral tecnológico", com pouca abertura para modelos alternativos ou adaptações à realidade nacional. Um erro estratégico importante foi a insistência em operar o digital na mesma banda e no mesmo canal do analógico, ignorando completamente a solução aplicada com sucesso na TV digital brasileira: a utilização de canais paralelos para a transição, o que permitiu uma migração mais rápida e eficiente.
4. Incentivos públicos não são a solução, o problema é estrutural
Muitos apontam a ausência de incentivos públicos como um dos motivos para o fracasso do rádio digital no Brasil. Mas essa crítica desvia do ponto central. O verdadeiro entrave não é a falta de subsídios, e sim a estrutura onerosa de impostos e regulações, que sufoca a capacidade de inovação do setor privado.
O Estado brasileiro se acostumou a usar incentivos como muleta, quando deveria criar um ambiente mais favorável à iniciativa privada. Sacrificar recursos públicos para digitalizar um grupo limitado de radiodifusores é, em alguma medida, desperdiçar verbas que poderiam ser investidas em áreas essenciais como saúde e educação.
A redução de impostos não implica obrigatoriamente em perda de arrecadação. Um exemplo recente foi a queda nos lucros dos Correios após o governo federal impor taxas de importação e ICMS sobre encomendas internacionais, o que reduziu o volume de operações. A lógica é simples: tributar mais pode significar arrecadar menos, se isso afugenta o consumo e a inovação. O caixa dos Correios não vem das DARFs que pagamos. Um é de uma empresa estatal, e o outro é o próprio Estado. No entanto, o Estado acaba trocando 'seis por meia dúzia' quando usa o que arrecadou para socorrer os Correios, tornando tudo mais caro para todos, sem trazer vantagens financeiras no final das contas.
Conclusão
Proponho um fluxo simplificado para superar a estagnação na implantação do rádio digital no Brasil, eliminando ideias ultrapassadas. Com a faixa AM praticamente livre, temos a oportunidade de recomeçar sem obstáculos, adotando o AM em modo 100% digital. Sou Ricardo Gurgel, engenheiro, e desde 2010 venho defendendo o abandono de tentativas fracassadas de sistemas híbridos. Infelizmente, o tempo comprovou que eu estava certo. Agora, estamos em um momento favorável para convencer, de forma mais eficaz, diversos atores do setor a descartar o pensamento em sistemas híbridos, que apenas retardariam ainda mais o processo de digitalização.
A digitalização do rádio brasileiro fracassou não por falta de tecnologia, nem por falta de interesse dos ouvintes. Fracassou por erros estratégicos, modelos comerciais fechados, escolhas técnicas mal planejadas e uma mentalidade estatal que prefere controlar em vez de facilitar.
O futuro do rádio no Brasil ainda pode ser digital, mas isso exige um reposicionamento completo da política pública e do setor produtivo, com foco em flexibilidade tecnológica, abertura de mercado e racionalidade tributária. Só assim a revolução digital terá espaço para florescer de forma sustentável, e com protagonismo brasileiro.